Combate à pirataria e o impacto para o posicionamento de marca
Como essa prática acarreta a desvalorização de marcas, além de fomentar diferenças entre os públicos-alvo dos produtos e causar confusão pós-venda aos consumidores
Assuntos
Em 2021, segundo o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade, estima-se que a economia brasileira sofreu um prejuízo de R$300 bilhões devido ao crescimento do mercado pirata. Não à toa, de acordo com o relatório da empresa de cibersegurança americana State of the Internet Akamai, a população brasileira foi considerada a quinta maior consumidora de pirataria do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Rússia, Índia e China.
Apesar de muitas vezes banalizada e socialmente aceita, a pirataria é uma prática extremamente prejudicial ao sistema financeiro, além de afetar diretamente as empresas, a forma como se relacionam com os seus consumidores e, consequentemente, o seu posicionamento de marca.
Definição jurídica
Em termos jurídicos, a pirataria pode se dar na forma de violações de direito autoral (Art. 184 do Código Penal), na prática dos crimes dispostos na Lei de Software (Lei n° 9.609/98) e na Lei de Propriedade Industrial (Lei n° 9.279/96) ou, ainda, de crimes contra as relações de consumo (Art. 7° da Lei n° 8.137/90). Especificamente no tocante a marcas, a pirataria consiste na comercialização de produtos que imitam ou reproduzem marcas e logos de terceiros, com a intenção de copiar os originais, sem a devida autorização do titular e sem o pagamento dos respectivos royalties.
Nesse sentido, para compreender a gravidade da prática para as marcas, em um primeiro momento, faz-se importante entender qual é o papel destas para as empresas, o mercado e os consumidores.
Marca e relações de consumo
Em síntese, a marca é um signo que tem por função identificar produtos ou serviços no mercado, a fim de cativar e fidelizar seu público-alvo. Logo, ao reconhecer determinada marca, automaticamente, o consumidor faz diversas associações (positivas ou negativas) sobre aquele produto ou serviço. Isso porque, as marcas são como selos de garantia que indicam a origem e a qualidade do que está sendo ofertado.
No cotidiano, dificilmente os consumidores conseguem distinguir os atributos funcionais dos produtos ou serviços que adquirem, de maneira que utilizam as características simbólicas como um fator diferenciador. Dessa forma, ao ter uma experiência positiva, o consumidor irá rememorar a marca daquele produto ou serviço, tendendo a consumi-la novamente e almejando encontrar o mesmo padrão de qualidade anteriormente experimentado. Diversamente, caso a experiência seja negativa, a decepção ensejará uma lembrança negativa que desestimulará a reiteração do consumo.
Tal reconhecimento e prestígio são frutos de esforços operacionais, logísticos, financeiros e publicitários dos titulares das marcas, que visam a diferenciar seus produtos ou serviços de concorrentes para se destacar no mercado. Nesse ponto, as marcas representam a livre concorrência, de forma que é ofertado ao consumidor um leque de mercadorias, podendo este diferenciá-las e escolhê-las a partir de suas experiências pregressas ou dos valores impressos nas marcas, sem risco de confusão ou indevida associação.
Percebe-se, portanto, quão danosa é a comercialização de produtos falsificados identificados como se fossem de outra marca. Afinal, a utilização indevida de propriedade industrial alheia provoca diversos malefícios tanto para a marca, através de sua desvalorização no mercado, como para os próprios consumidores, por dificultar a diferenciação pelo público-alvo e aumentar a possibilidade de confusão.
Posicionamento de marca e impacto no consumidor
Com efeito, fazem parte da estratégia de posicionamento de marca a definição de preço dos produtos por ela identificados, a qualidade do material, os canais de venda, os territórios de oferta, dentre outros pontos que deixam de ser controlados quando terceiros, fabricantes e comerciantes de produtos piratas, notadamente, passam a atuar no mercado.
Perdem-se as associações até então construídas pelos consumidores, visto que há uma mudança radical de fornecedores, de padrões de qualidade, de estratégias de logística e de comunicação. E, além da publicidade, organizada ou espontânea, é a experiência positiva que faz o consumidor querer voltar a utilizar a marca, o que não pode mais ser garantido quando o titular legítimo deixa de ser o único a usufruí-la no mercado.
Pela modificação das estratégias definidas pelo titular legítimo da marca, a comercialização de produtos piratas gera uma mudança brusca no público-alvo inicialmente pensado pela empresa, maculando a relação ideológica até então construída com os consumidores anteriores, os quais passam a não mais se identificar ou se ver representados por ela e por seu novo perfil de consumidores.
Pós-venda
Destaca-se, ainda, que a experiência do uso de marcas estende-se ao momento de pós-venda, sendo amplamente debatido na doutrina especializada os efeitos da confusão pós-venda (post-sale confusion) – com a certeza de que qualquer hipótese de confusão entre produto original e pirata pode causar sérios danos à reputação da marca, que estará associada a produtos de qualidades inferiores, normalmente, feitos com materiais mais baratos, que não passam por testes de segurança e saúde, por exemplo.
É fato, portanto, que a pirataria, além de ensejar sérios prejuízos monetários, é extremamente lesiva ao posicionamento de marcas, o que, consequentemente, leva a danos diretos ao mercado e aos seus consumidores. Por meio dela, tem-se materializada a concorrência desleal, a confusão de seus usuários e a mácula imediata à personalidade e honra de empresas.
A repressão a esse crime é a medida capaz de fortalecer os elos da economia, garantindo maior segurança aos consumidores (em especial, quando se está tratando de produtos piratas que deveriam ser certificados pela Anatel e pelo Inmetro) e proporcionaria um ambiente de mercado mais saudável, onde os recursos vindos da compra de produtos originais se voltariam para o próprio mercado, acarretando o seu desenvolvimento.
Para mais informações sobre estratégia de marcas, acompanhe a série especial Desafios jurídicos no posicionamento de marcas.
* Com colaboração de Nathalia Fraifeld.