Remuneração de executivos passará por análise criteriosa de acionistas e stakeholders
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A crise provocada pela pandemia da Covid-19 está afetando companhias em todos os setores da economia, com uma extensão ainda incerta. O que todos sabemos é que as empresas deverão sofrer forte impacto negativo nos seus resultados financeiros de 2020 e, possivelmente, nos anos seguintes.
Diante desse cenário, muitas companhias têm reavaliado seus modelos de remuneração, havendo, inclusive, companhias que já optaram por reduzir os salários de seus principais executivos em virtude da extensão da crise. Nesse contexto de incertezas, é de se esperar maior atenção e interesse dos acionistas e stakeholders quanto à remuneração dos executivos, tendo como palco especial as assembleias gerais ordinárias a serem realizadas em 2021.
O Institutional Shareholder Services (ISS) e a Glass Lewis são empresas independentes que oferecem serviços de governança corporativa em apoio a acionistas e potenciais investidores. Dentre eles, são fornecidas diretrizes para o exercício do direito de voto pelos acionistas em diversas matérias relevantes de interesse social, incluindo aquelas relacionas a assuntos de remuneração de executivos, diretrizes que são seguidas por diversos investidores institucionais.
Recentemente, estas empresas divulgaram material abordando os possíveis reflexos da Covid-19 nas estruturas de remuneração dos executivos e os respectivos desafios na governança corporativa. Muito embora os materiais divulgados não sejam direcionados ao mercado brasileiro, as conclusões podem ser importadas ao mercado nacional, trazendo aspectos interessantes para reflexão.
Em seu material intitulado Impacts of the Coronavirus Pandemic, a ISS prevê a aprovação, pelas companhias, de alterações significativas nas métricas, metas ou objetivos previstos nos planos de incentivo de curto prazo em resposta à queda nos mercados e à possível recessão. Além disso, espera-se que as companhias revisem seus planos de incentivo de longo prazo para levar em consideração o novo ambiente econômico. Nesse contexto, a ISS recomenda que os acionistas recebam informações constantes e atualizadas acerca dessas alterações, juntamente com as justificativas que as embasaram. Como regra geral, as diretrizes da ISS não costumam apoiar alterações de metas em incentivos de longo prazo que abarquem múltiplos anos, de modo que as justificativas para uma mudança dessa natureza deveriam ser analisadas caso a caso, considerando as particularidades da companhia e da situação em concreto.
A Glass Lewis explica que tem visto companhias proporem uma série de adequações às estruturas de remuneração dos executivos, sendo que aquelas alterações que visam dividir o ônus da crise de forma proporcional com os acionistas e empregados, acabam ganhando maior suporte por parte dos acionistas e stakeholders. Há a perspectiva de que propostas de aumento de remuneração, ajustes de metas, reprecificações de opções e/ou incrementos de custo ou diluição para suporte do nível de remuneração dos executivos sejam sumariamente descartadas pelos acionistas, cujos retornos já têm sido duramente penalizados pela crise causada pela pandemia. A matéria também ressalta a dura realidade trazida pela crise, de que o valor do capital humano deve mudar e, com isso, aumentar significativamente a pressão de acionistas e stakeholders por justificativas robustas e fundamentadas para manutenção dos níveis de remuneração em um mercado de talentos drasticamente diferente. Até mesmo aquelas companhias que pretendem seguir a filosofia de “business as usual” para a remuneração de seus executivos, isto é, sem qualquer alteração relevante, poderão sofrer oposição de funcionários e acionistas, caso tenham sido afetados por cortes de salários ou retornos negativos de capital.
As ponderações trazidas acima mostram que a revisão das estruturas de remuneração dos executivos deve ser feita de forma estratégica e muito bem pensada, considerando aspectos não apenas financeiros, mas também de cultura e bem-estar organizacional, e contendo justificativas robustas e fundamentadas em face ao elevado grau de governança corporativa esperado para a natureza deste assunto. É de se esperar, portanto, que haja um escrutínio mais rigoroso por parte dos acionistas e stakeholders na apreciação de assuntos relacionados à remuneração de seus executivos.