

O “efeito borboleta” do julgamento do software no mercado de tecnologia
Os impactos da decisão terão diversos efeitos e levantam algumas dúvidas aos contribuintes
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Muito tem-se falado e comemorado sobre a (quase final) decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de definir que não incide o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações de softwares. O julgamento, que já foi suspenso por duas vezes, possui maioria formada nesse sentido.
Claro que os impactos dessa decisão afetarão os contribuintes que recolheram o imposto estadual erroneamente (ficando sem saber se poderão pleitear a devolução desses valores), bem como daqueles que deixaram de recolher o imposto municipal (ISS) – que passam a temer demandas por períodos passados. Essas questões, que a princípio serão definidas quando da discussão da modulação dos efeitos, não encerram as incertezas geradas por esse julgamento, que, por ter se arrastado por tanto tempo (quase vinte anos), traz consequências em diversos níveis.
Esse artigo não tem como pretensão esgotar os questionamentos que esse julgamento pode trazer, mas sim ilustrar algumas situações que impactarão o mercado de tecnologia. O termo “efeito borboleta” no título se refere à ideia vinda da teoria do caos, em que um simples ato pode influenciar o curso natural das coisas.
Questões a serem respondidas
O primeiro desses efeitos abrange o tratamento dado aos contribuintes do imposto sobre a renda no lucro presumido. Isso porque, tendo em vista que a maioria do STF decidiu que operações de software não devem ser tratadas como mercadoria, a caracterização dessa operação como uma atividade comercial que favoreceria a aplicação da presunção de lucro com base no percentual de 8% para fins de imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e 12% para contribuição social sobre o lucro (CSL). Com a definição de que operações com software são serviços, passa-se, portanto, a sujeitar tais empresas à aplicação de um percentual de 32% para fins de determinação da base de cálculo de IRPJ e CSL. Para as empresas que se encontram sob o regime de lucro real, e cuja contabilização de receitas e despesas são tidas como primordiais, fica a dúvida de como se contabiliza as operações com software. Por exemplo, a aquisição de licenças de softwares de prateleira para revenda poderia ser contabilizada como estoque, uma vez que agora essas licenças são caracterizadas como serviços?
Adicionalmente, podemos discutir a própria aplicação de tratados de bitributação: se operações com software devem ser tratadas como operações de serviços de acordo com o entendimento do STF, poderia essa remessa se esquivar da definição de royalties e se adequar ao artigo sétimo que trata de business profits (e possibilita a remessa sem a retenção do imposto de renda retido na fonte)?
A comemorada recente decisão do STF também traz efeitos com relação ao PIS/COFINS. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp nº 1.221.170 (Temas 779 e 780), determinou, sob a sistemática de recursos repetitivos, que o “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”. Como se sabe, o Fisco não aceitava a caracterização de licenças de software como insumo, visto a falta de previsão legal nesse sentido, vez que não se caracterizavam como bens ou serviços. Passariam agora essas despesas, que se transformaram em serviços, a serem dedutíveis para fins de PIS/COFINS?
No mesmo sentido, a caracterização pela Receita Federal do Brasil de que remessas por licenças de software não favoreceriam à tributação pelo PIS/COFINS-Importação poderá ser revista frente à nova caracterização desses pagamentos como importação de serviços.
Como visto, uma definição por parte do STF com relação aos efeitos da natureza jurídica dos softwares deve ser pautada na abrangência de efeitos que ela terá, e na redefinição dos impactos fiscais no mercado de tecnologia, não limitada às esferas municipais e estaduais.