Sancionada lei que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono
Concessão de crédito fiscal ao setor será feita por meio de PL específico já em tramitação
Foi sancionada, em 02 de agosto de 2024, a Lei nº 14.948/2024, que estabelece marco regulatório para a produção de hidrogênio de baixo carbono, além de criar mecanismos de incentivo ao setor. O texto-base da lei havia sido aprovado no Plenário do Senado em 19 de junho de 2024, e na Câmara em 11 de julho de 2024, quando foi enviado à sanção presidencial.
Durante sua tramitação no Senado, o projeto recebeu alterações em aspectos significativos, como nas definições das categorias de hidrogênio, na estrutura de regime tributário benéfico, no estabelecimento de programa de concessão de crédito fiscal e na inclusão de provisões acerca da competência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Foram discutidos, também, ajustes nos regimes de Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), de autoprodução de energia elétrica e de licenciamento ambiental de projetos de hidrogênio, mas tais mudanças não foram aprovadas.
Durante a consolidação do texto do projeto de lei na Câmara, o artigo que definia que os créditos fiscais seriam créditos da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) foi removido por engano. Foi, então, firmado acordo entre o Congresso e o Executivo para veto parcial do projeto de lei e reapresentação do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), o programa de incentivo de créditos ficais, em um projeto de lei apartado (PL 3.027/2024).
Confira, a seguir, os principais pontos da nova lei:
Classificação do hidrogênio
A nova lei cria três classificações de hidrogênio, que podem ser cumuladas além da criação de definições de derivados de hidrogênio e carreadores de hidrogênio:
- Hidrogênio de baixa emissão de carbono: é o hidrogênio combustível ou insumo industrial cuja emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), conforme análise do ciclo de vida, seja menor ou igual a 7 kg de CO2 para cada kg de H2. O PL originalmente previa uma limitação de 4 kg de CO2/kg de H2, mas esse valor foi aumentado para 7kg;
- Hidrogênio renovável: é o hidrogênio que, além de se enquadrar como hidrogênio de baixa emissão de carbono, é coletado como hidrogênio natural ou obtido de fontes renováveis como biocombustíveis ou pela eletrólise alimentada por energia renovável, como solar, eólica, hidráulica, geotérmica ou biomassa;
- Hidrogênio verde: é o hidrogênio produzido por eletrólise da água alimentada por fontes de energia renováveis, como solar, eólica, hidráulica, geotérmica, biomassa ou outras que venham a ser reconhecidas como renováveis;
- Derivados de Hidrogênio: produtos de origem industrial que tenham o hidrogênio, coletado ou obtido nas formas previstas neste artigo, como insumo no processo produtivo;
- Carreadores de Hidrogênio: substâncias ou materiais que carreiam hidrogênio, para fins de armazenagem, de estocagem, de acondicionamento, de transporte ou de transferência, e que o liberam no local em sua forma original.
Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono
Em relação à governança da regulação e dos incentivos ao hidrogênio, foi criada a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, que engloba todos os benefícios e programas aqui mencionados e que terá seus parâmetros técnicos e econômicos definidos pelo Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CNPE) mediante propostas do Ministério de Minas e Energias (MME). As diretrizes para execução da política serão estabelecidas pelo Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio (Coges-PNH2), que contará com representantes da comunidade científica, do setor produtivo e de estados e do Distrito Federal.
ANP como autoridade competente para regular
A atividade de produção de hidrogênio, seus derivados e carreadores deverá ser exercida por empresa ou consórcio constituído sob as leis brasileiras e com sede e administração no país.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) será o órgão competente para regular e autorizar:
- A produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono;
- Exploração de hidrogênio natural;
- As atividades relacionadas ao carregamento, ao processamento, ao tratamento, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao acondicionamento, ao transporte, à transferência, à revenda e à comercialização de hidrogênio, seus derivados e carreadores.
Na prática, a ANP será a autoridade competente para regular a produção ou exploração de hidrogênio e, também, a movimentação e comercialização de seus derivados e carreadores. A agência terá, portanto, competência para regular a infraestrutura associada à movimentação de insumos e derivados como amônia, embora não a produção ou a qualidade de tais insumos.
Aqueles que possuírem a autorização para exercício da atividade terão prioridade nos pedidos de autorização para exercício das atividades.
A lei também atribuiu à ANP a competência para declaração de utilidade pública de áreas necessárias à construção da infraestrutura necessária para produção de hidrogênio.
Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio
A lei cria o Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2), responsável, entre outros pontos, pelo credenciamento de empresas certificadoras, que emitirão certificado do hidrogênio produzindo indicando o nível de GEE associado ao seu ciclo de vida. A certificação terá como referência critérios a serem estabelecidos em regulamento.
Autoridade reguladora ainda a ser definida será competente para estabelecer os regulamentos para implementação das diretrizes para a certificação do hidrogênio, fiscalizar a movimentação do hidrogênio comercializado, fiscalizar as certificadoras credenciadas, definir e aplicar sanções administrativas e pecuniárias cabíveis e prever mecanismos de harmonização com padrões internacionais de certificação de hidrogênio.
Rehidro
Um dos principais incentivos ao setor de hidrogênio estabelecidos na lei é o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro).
A lógica por trás do Rehidro é garantir a aplicação dos benefícios do Reidi a projetos de hidrogênio. Empresas beneficiárias do Rehidro poderão usufruir de suspensão de PIS/Cofins e PIS/Cofins-Importação nas aquisições locais e importações de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, e de materiais de construção e serviços para utilização ou incorporação nas obras de infraestrutura associadas a projetos de hidrogênio. Os incentivos terão vigência de 5 anos, a partir de 1º de janeiro de 2025.
A forma de habilitação ao Rehidro será regulamentada pelo Poder Executivo, mas os requisitos deverão incluir:
- Habilitação para produção de hidrogênio de baixo carbono;
- Utilização de percentual mínimo de conteúdo local no processo produtivo (dispensada a exigência caso não haja equivalentes nacionais ou caso a oferta nacional seja insuficiente);
- Investimento mínimo em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Também poderão se coabilitar ao Rehidro entidades que exerçam atividade de acondicionamento, armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono; ou que geram energia elétrica renovável ou produzam biocombustíveis (etanol, biogás ou biometano) para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Não poderão se habilitar as empresas que optarem pelo regime do Simples Nacional.
O beneficiário do Rehidro também poderá emitir debêntures incentivadas (art. 2º da Lei nº 12.431/2011), para captação de recursos para implementação ou expansão de projetos de produção, acondicionamento, armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono. Tais debêntures também poderão ser emitidas para projetos de geração de energia elétrica renovável ou produção de biocombustíveis para uso na cadeia do hidrogênio de baixa emissão de carbono.
A lei prevê também a possibilidade de fruição dos benefícios do Rehidro por empresas instaladas em Zonas de Processamento de Exportação.
De acordo com discursos de deputados na Câmara dos Deputados durante a sessão final de votação do projeto, o Ministério de Minas e Energia (MME) concordou em apresentar uma proposta para regulamentar o processo de habilitação ao Rehidro em até 90 dias após a sanção presidencial. Esta informação, no entanto, não foi confirmada por documentos oficiais.
PHBC (vetado)
O projeto de lei enviado à sanção presidencial incluía a instituição do PHBC, que consistiria em um programa de concessão de créditos fiscais na comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados produzidos no território nacional. Durante o retorno do projeto à Câmara, o artigo que determinava que o crédito fiscal seria sobre a CSLL foi removido na consolidação do texto. Como consequência, e de acordo com declarações do Deputado Arnaldo Jardim, o Congresso e o Executivo acordaram o veto parcial do projeto de lei no tocante ao PHBC e a subsequente regulamentação do programa via lei apartada. No mesmo dia da sanção da Lei nº 14.948/2024, foi proposto pelo Deputado José Guimarães, do PT/CE, o PL 3.027/2024, que institui o PHBC com base no texto já discutido no Congresso.
De acordo com o PL 3.027/2024, serão elegíveis ao crédito fiscal, projetos que observem ao menos um dos seguintes requisitos: contribuição ao desenvolvimento regional; contribuição às medidas de mitigação e adaptação à mudança do clima; estímulo ao desenvolvimento e difusão tecnológica; e contribuição à diversificação do parque industrial brasileiro.
Caso aprovado, o programa concederá créditos fiscais de 2028 a 2032 para a comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono no território nacional ocorridas em tal período no valor total de até dezoito bilhões e trezentos milhões de reais. O projeto de lei do PHBC estabelece limites anuais aos créditos concedidos, que poderão ser aproveitados no ano seguinte se não aproveitados no respectivo ano.
A concessão dos créditos será precedida de processo concorrencial, ainda não regulamentado. Serão elegíveis ao PHBC as empresas participantes do processo concorrencial que sejam beneficiárias do Rehidro, no caso de produtores; ou adquiram hidrogênio de baixo carbono produzido por empresa ou consórcio beneficiário do Rehidro. Um dos critérios para julgamento de propostas no procedimento concorrencial deverá ser o menor valor de crédito por unidade de medida do produto. Além disso, a concessão do crédito poderá, em regulamentação, exigir apresentação de garantia para implantação do projeto de produção ou consumo de hidrogênio e estabelecer prioridade a projetos que prevejam menor intensidade de emissões de GEE do hidrogênio associado e que possuam maior potencial de adensamento da cadeia de valor nacional.
De acordo com o texto apresentado, os créditos concedidos poderão ser compensados com débitos relativos a tributos administrados pela Receita Federal ou, na inexistência ou insuficiência de tais débitos, ressarcidos em dinheiro em até 60 dias.
Para mais informações sobre o tema, conheça as práticas de Transição Energética e Infraestrutura e Energia do Mattos Filho.