Uma análise sobre injúria racial, intolerância religiosa e racismo
No combate contra a discriminação racial, o 21 de março marca o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial e o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé
A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 21 de março, o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Essa data marca o massacre de Shaperville, ocorrido há 63 anos, em Johanerburgo, na África do Sul, durante protesto pacífico contra a Lei do Passe. Criada em 1945, a Lei permitia à polícia prender cidadãos não-brancos que não apresentassem uma caderneta com seus dados pessoais e a indicação de quais locais eles poderiam circular, contribuindo assim com a consolidação do Aparthied.
Mesmo os manifestantes estando desarmados, um grupo de policiais atirou contra eles, matando 69 pessoas e ferindo outras 180. A repercussão do massacre resultou em um alerta global, e a lembrança da data busca garantir que a comunidade internacional nunca se esqueça dos princípios éticos e morais que devem orientar as relações entre os povos.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu como um dos objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de discriminação, incluindo origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma. Além disso, o capítulo da Constituição Federal que trata das liberdades e garantias individuais, estabeleceu a necessidade de punição regulamentada por lei para qualquer forma de discriminação que viole os direitos e liberdades fundamentais, bem como determina que a prática do racismo seja considerada crime inafiançável e imprescritível, sujeito à mais pesada das penas, qual seja a reclusão.
Legislações mais recentes
Após um ano da promulgação da Constituição Federal Brasileira, foi publicada a Lei nº 7.716, em 5 de janeiro de 1989, com o objetivo de definir os crimes decorrentes de preconceito de raça ou cor. Essa lei foi atualizada diversas vezes, sendo a mais recente a Lei nº 14.532/2023, que tem como objetivo fortalecer o combate ao racismo. Uma de suas principais mudanças é a equiparação da injúria racial ao crime de racismo, tornando-a também inafiançável e imprescritível. Ademais, o humor hostil proferido contra minorias raciais, conhecido como racismo recreativo, passa a ser tipificado e prevê o aumento de pena de um terço (1/3) até a metade “em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”.
Fato inegável é que o racismo é estrutural, se demonstra de várias formas e se propaga por diversos meios. Há cinco anos, o jurista e professor Hédio Silva Junior apontava racismo na Lei nº 15.363/2019, que revogava a Lei nº 12.131/2004 do Rio Grande do Sul, proibindo assim o abate de animais em rituais religiosos. “A vida de galinha de macumba vale mais. É assim que coisa de preto é tratada no Brasil. Vida de preto não tem valor nenhum. Mas a galinha da religião de preto, essa vida tem que ser radicalmente protegida”.
A fala do jurista fazia um paralelo importante entre o crime de racismo e o crime de intolerância religiosa, assim, mostrando que o racismo estrutural é um pilar para que o racismo religioso exista e persista. Naquele período, o Recurso Extraordinário nº 494.601/2019 declarou constitucional a Lei nº 12.131/2004 que permite, em seu parágrafo 2º, a prática do sacrifício de animais no exercício dos cultos das religiões de matriz africana.
O entendimento colocou fim a uma discussão que por anos ameaçou as expressões das religiões de matriz africana, mas de modo algum encerrou o combate à intolerância religiosa. Neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.519/2023, que institui o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, simbolicamente também celebrado no dia 21 de março, para evidenciar a ancestralidade e resistência dos povos tradicionais.
Entender o contexto histórico e medir os melhores esforços para o enfrentamento ao racismo é dever de cada um de nós. Às autoridades fica a responsabilidade de amadurecer a legislação e jurisprudência aplicável nesses casos, pois, apenas dessa forma seguiremos avançando na luta contra qualquer manifestação racista, não importando a forma que é expressa.
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*Por Roberto Quiroga, Isabella Gonzaga Guimarães, Nicole de Fátima Lima Costa Gomes e Wesley Coutinho da Silva, Giovanna Rodrigues Cavalari e José Marinho Séves Santos.