Novas formas de trabalho e as empresas de tecnologia
Mudanças no universo profissional impactam o comportamento dos usuários e também a dinâmica da economia mundial
O avanço tecnológico está mudando a economia real, aquela sentida na prática do dia a dia. Novas formas de trabalho surgem naturalmente, em um fenômeno autenticamente colaborativo. No centro dessa nova economia plural, diversa e independente estão empresas de tecnologia inovadora que apresentaram um modo diferente de fazer coisas rotineiras como se locomover, ouvir música, alugar uma casa, pedir delivery, jogar videogame, fazer exercícios físicos e pagar compras online.
Quem imaginaria, por exemplo, doze anos atrás, existir um aplicativo capaz de conectar motoristas independentes, prestando serviços de transporte para pessoas comuns (usuários) interessados em realizar o deslocamento entre diferentes pontos da cidade? No Brasil, essa hipótese nem era cogitada antes de 2014 (data em que o primeiro aplicativo do gênero começou a operar no Brasil), ocasião em que existia o monopólio dos taxistas para esse tipo de deslocamento – em escala insuficiente, diga-se de passagem.
Fato é que as novas tecnologias estão criando inúmeras possibilidades de trabalho, as quais, em sua grande maioria, podem ser executadas com bastante autonomia e flexibilidade – até mesmo sem exclusividade e para empresas concorrentes de forma simultânea, como podemos observar em aplicativos de intermediação digital –, gerando fonte razoável de receita para os trabalhadores independentes.
Modelo de trabalho reconfigurado
No nicho de negócios de tecnologia é muito comum a figura do trabalhador independente ou a contratação de empresas com expertise específica e necessária para executar determinado trabalho, normalmente sem que haja o vínculo de emprego com a empresa de tecnologia.
Contudo, não podemos esquecer que a legislação trabalhista, em especial a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), data dos anos de 1940 e é ultrapassada, não fazendo frente ao rápido avanço tecnológico das novas formas de trabalho. Em que pese tenha trazido mudanças significativas, a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) parece não ser totalmente capaz de minimizar este descompasso entre o momento atual da economia e as regras previstas na CLT.
Em nossa visão, considerando o avanço tecnológico e as novas formas de trabalho, a acomodação dessa nova realidade aos moldes da CLT não parece o caminho mais adequado para o desenvolvimento das indústrias de tecnologia, que tem o dinamismo, a modernidade e a juventude como seus motores. A legislação vigente exige a presença concomitante de cinco requisitos para a caracterização do vínculo de emprego (pessoa física, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação jurídica), o que não costuma ocorrer na relação existente entre os trabalhadores independentes e as empresas de tecnologia.
Enquanto a legislação não se adequa às novas formas de trabalho, observa-se que o cenário atual da jurisprudência trabalhista, inclusive no Tribunal Superior do Trabalho, começa a ser favorável ao reconhecimento de formas de contratação por empresas de tecnologia, sem que, necessariamente, exista o vínculo de emprego. Essas decisões da Justiça do Trabalho, em sua grande maioria, levam em consideração a ampla autonomia e a flexibilidade para desempenhar o trabalho, sem que haja a figura de um chefe ditando as regras, como ocorre no modelo tradicional de contrato de emprego, o qual continua muito presente em indústrias tradicionais, mas sente-se cada vez mais desafiado pela indústria da tecnologia.
Não se está aqui a promover que toda a relação de trabalho existente com a indústria da tecnologia alcançará um ponto no qual não mais se reconhecerá a existência da figura do empregado e do empregador, até porque ainda existe um cenário de insegurança jurídica no Brasil em relação ao tema. No entanto, a indústria da tecnologia possui particularidades que admite a existência de trabalhadores não empregados, realidade essa que precisa ser respeitada, entendida e validada por nossas autoridades trabalhistas.
Por isso que há urgente necessidade de uma legislação específica, atualizada e que se adeque à realidade dessas novas formas de trabalho, fixando direitos, deveres e garantias para ambas as partes, evitando, assim, decisões divergentes sobre o tema. A pacificação do conflito gerará uma relação de equilíbrio, trazendo segurança jurídica para os trabalhadores independentes e para as empresas de tecnologia.
Existem, atualmente, várias circunstâncias na indústria da tecnologia que podem ajudar na defesa da inexistência de relação de emprego entre os trabalhadores independentes e as empresas de tecnologia, obviamente a depender de cada caso concreto.