

Financiamento de projetos em infraestrutura e energia: 6 questões-chave
Financiar um projeto de infraestrutura ou energia no Brasil é uma tarefa que exige atenção das empresas antes, durante e depois da negociação com credores ou investidores; entenda
Assuntos
Financiar um projeto de infraestrutura ou energia no Brasil é uma tarefa que exige atenção das empresas antes, durante e depois da negociação com credores ou investidores. Em 2020, o governo federal pretende arrecadar R$ 150 bilhões com privatizações. Para efeito de comparação, em 2019, a União arrecadou R$ 96,2 bilhões em privatizações e desinvestimento — aumento de 35,8% em volume financeiro.
O financiamento de tamanha empreitada é um grande desafio. A boa notícia para as empresas é que cada vez mais há novos e acessíveis instrumentos de captação de recursos, como novidades em fundos de investimento e bancos de fomento. Por outro lado, ainda parece ser necessário esclarecer as características e riscos de cada alternativa de funding para o mercado.
Segundo a pesquisa “Agenda 2020”, realizada pela consultoria Deloitte, 50% dos respondentes reconhecem não saber como usar efetivamente os títulos de dívida como forma de captação de recurso. O desconhecimento atinge também 34% dos executivos das 1.377 empresas participantes, que representam diversos setores da economia. Segundo a companhia realizadora da pesquisa, divulgada em dezembro de 2019, 62% dos entrevistados ocupam cargos de liderança dentro das empresas.
Essas questões-chave sobre financiamento de projetos em infraestrutura e energia são esclarecidas pela nossa sócia Marina Anselmo Schneider, especialista em financiamento de projetos (project finance), e pelo nosso sócio André Luiz Freire, especialista em Direito Público Empresarial.
1. Novos players no mercado de financiamento
Se tradicionalmente o setor de infraestrutura e energia brasileiro foi financiado por contratos entre companhias e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que continua sendo uma fonte fundamental de recursos, hoje, novas alternativas facilitam as transações.
Segundo Marina Anselmo, as agências multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), têm papel fundamental nesse sentido. “Hoje, instituições internacionais de fomento já concedem crédito com contratos em real. O apetite desses players já existia anteriormente, mas com financiamentos em dólar. Agora, há a adaptação ao mercado nacional, sempre com hedge previsto em contrato”, explica a sócia com quase 20 anos de experiência em project finance no escritório.
Os fundos de crédito, com participação ativa e apetite, também são uma novidade nesse mercado. “Há players internacionais que compram créditos do setor de infraestrutura e energia, por exemplo. Também participam desse mercado os já conhecidos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e os fundos de debêntures”, afirma Marina.
A vantagem da captação via fundos de debêntures, em relação a uma emissão convencional de debêntures incentivadas de infraestrutura, por exemplo, é “a interlocução com um único gestor profissional, retirando do emissor a necessidade de se comunicar com todo o mercado de capitais”, explica a especialista.
Além dos novos instrumentos de captação de recursos, o mercado ainda tem como alternativa as emissões de títulos de dívida convencionais, a tomada de crédito via bancos de fomento e bancos de investimento, bem como os Fundos de Investimento em Participações e Infraestrutura (FIP-IE).
2. Perfil do projeto, perfil do financiamento
Para Marina Anselmo, sempre que o concessionário ou empresa de infraestrutura e energia planejar uma operação estruturada, será necessária uma avaliação sob medida para decidir qual fonte de financiamento acessará.
Tudo pode mudar de acordo com o nível de garantia do projeto, pois trata-se de um projeto greenfield ou brownfield, que pode ser:
- um modal específico de logística, como rodoviário, portuário ou aeroportuário;
- alguma outra infraestrutura, como saneamento ou mineração;
- ou, ainda, o mercado de energia.
“Nem todos os setores têm crédito bancário disponível. Energia parece ser hoje o segmento mais maduro de todos, do ponto de vista de captação de recursos, cujo mercado está bastante disposto a tomar risco de crédito. Bancos e mercado de capitais sabem que é um mercado maduro do ponto de vista regulatório, tem receitas bastante claras e tem um mercado livre cuja contraparte é sempre conhecida. Vemos agora estruturas bastante eficientes para financiar energia no mercado livre. Por isso há instituições financeiras olhando para entrar nesse segmento não apenas no papel de credoras, mas também como comercializadoras”, explica a advogada especialista.
O BNDES, na esteira da tendência de mercado, tem indicado que olhará mais para infraestrutura social, como saneamento e mobilidade urbana, que tem menos apelo no setor privado. De acordo com Marina Anselmo, o banco público pode se posicionar com menos apetite em segmentos com maior oferta de crédito, como rodovias e transmissão e geração de energia.
3. Mercado bancário x mercado de capitais
O tamanho do projeto também é uma variável no processo decisório pelo(s) instrumento(s) de financiamento. Quanto maior o projeto, mais fontes de financiamento ele precisa ter. Projetos pequenos podem, em tese, contar com o apetite de uma única instituição financeira.
Para ampliar as fontes de recurso, o mercado de capitais pode ser uma alternativa interessante. Um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) é uma alternativa convencional. A emissão de debêntures de infraestrutura é outra opção, mas pode exigir uma mitigação relevante se o projeto tiver um risco de construção alto. Afinal, os investidores pessoas físicas do papel de renda fixa acompanharão cada fase de engenharia do projeto.
Em 2019, a emissão de debêntures incentivadas de infraestrutura atingiu volume recorde de R$ 33,8 bilhões em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Boletim Informativo de Debêntures Incentivadas, elaborado pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia.
“No mercado de capitais, os projetos precisam ter nível de receita com alguma estabilidade, mitigação do risco de construção se mirar investidores pessoas físicas, comprovação de rating, um engenheiro independente que acompanhe a construção e estudos prévios que façam os riscos serem conhecidos. Há estruturas muito inteligentes no mercado de capitais para emissor e investidor, mas o nível de exigência talvez seja maior que o mercado bancário. O BNDES, por exemplo, tem equipes muito qualificadas para analisar projetos. O investidor pessoa física não necessariamente tem essa expertise”, analisa Marina.
4. Exterior é alternativa, mas exige cuidados
Outro ponto a ser observado é a possibilidade de acessar um mercado internacional, a fim de obter mais fontes de financiamento para o projeto. “As ponderações a serem consideradas, nesse caso, são o risco de variação cambial e possíveis custos tributários que podem ser mais altos que um financiamento no Brasil”, diz Marina.
A questão da variação cambial pode ser mitigada por meio de emissões de bonds denominados em real — como a sócia lembra que já tem acontecido, embora ainda não seja algo tão recorrente no mercado de infraestrutura e energia.
Indicar o tipo de projeto é fundamental para definir o tipo de credor e investidor. Essa fase inicial passará sempre por avaliações contratuais considerando prazos, retorno, qualidade das contrapartes e, naturalmente, riscos.
5. Boa repartição de riscos no contrato de concessão agrada credores
Para as concessionárias de infraestrutura e energia garantirem uma captação atrativa de recursos via financiamento conferido por banco de desenvolvimento ou de investimento, uma etapa fundamental precisa ser observada antes mesmo da negociação com credores. Trata-se da repartição de riscos no contrato entre a concessionária e a autoridade pública.
“Uma boa repartição de riscos entre concessionária e poder concedente se dá ao atribuir os riscos, no contrato, à parte que tem melhor capacidade para gerenciá-los. Nesse caso, temos bons projetos. Como consequência, o credor tem uma percepção mais positiva de que receberá os pagamentos do financiamento a ser concedido, podendo fazer uma oferta de crédito mais atrativa ao devedor”, explica o sócio André Luiz Freire, especialista em Direito Público Empresarial, Infraestrutura e Energia.
Para o advogado, a repartição de riscos é o “coração” do contrato de concessão pública. Também é uma parte fundamental em qualquer project finance eficiente envolvendo setores regulados pelo poder público. Por meio da repartição, identificam-se possíveis eventos, como obtenção de licenciamento ambiental, elaboração de projetos, greve, entre outros futuros incertos que podem ocorrer na vida de um contrato.
“Alguém sempre terá de responder por esses eventos. Um atraso na elaboração dos projetos pode ser mitigado como boa contratação de empreiteiros, por exemplo. Ou a mitigação dos impactos de uma greve pode ser um reequilíbrio econômico-financeiro. Se possíveis riscos e boas mitigações estiverem previstos no contrato de concessão, as condições de financiamento de projetos em infraestrutura tendem a ser melhores”.
Entre os riscos mais comuns no contrato de concessões, que precisam ser previamente repartidos, estão o risco de execução da prestação de serviço de construção; de operação; ambientais; de demanda; entre outros. Com o mapeamento desses riscos, o concessionário pode prever o retorno de seu investimento e a remuneração que deseja receber, no longo prazo, de acordo com o tipo de infraestrutura empregada, como saneamento, mineração, rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, transporte coletivo de passageiros, trens urbanos, entre outros.
6. A importância de mitigar riscos não controlados
Há ainda eventos que não estão sob controle das partes, seja nos contratos do concessionário com o poder concedente ou com o credor. Um exemplo é o fenômeno chamado “fato do príncipe”, que é um evento estatal não vinculado ao contrato administrativo, mas que impõe impactos sobre ele. “Pode haver uma modificação legislativa que aumente algum tributo relevante no contrato, por exemplo. Nesse caso, uma solução pode ser o reequilíbrio econômico-financeiro”, explica André Freire.
Há ainda os casos de “força maior”, que são fatos previsíveis ou imprevisíveis da natureza. Há, também, o “caso fortuito”, que é um evento de natureza humana, o qual não se pode prever, como uma manifestação social em um terminal portuário. São situações que podem culminar em judicialização e disputas diversas.
Segundo André Freire, para antever os riscos por meio de uma boa repartição no contrato e mitigar eventualidades, é necessária uma equipe multidisciplinar dedicada ao projeto desde o início da interlocução com o poder concedente, não envolvendo apenas advogados, mas também engenheiros e consultores ambientais.