Fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) e impactos trabalhistas
Leis e outros instrumentos jurídicos relacionados à Covid-19 podem perder sua vigência com nova portaria do Ministério da Saúde
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Entrou em vigor, no dia 22 de maio de 2022, a Portaria GM/MS 913/2022, editada pelo Ministério da Saúde, que declara o encerramento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Covid-19.
Com o fim da ESPIN haverá impacto nas relações de trabalho, já que algumas normas importantes poderão ter sua vigência expirada, por terem seus efeitos vinculados à duração da declaração de emergência. Veja abaixo alguns instrumentos jurídicos que sofrerão impactos com a nova portaria.
Lei 13.979/2020
A Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, não terá, pelo menos de forma expressa, sua vigência afetada pelo encerramento da ESPIN.
Isso porque, a lei não vincula os protocolos e medidas de segurança à vigência da ESPIN, mas sim à Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, que se encontra mantida, conforme comunicado divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 14 de abril de 2022.
A esse respeito, importante diferenciar esses dois conceitos. De acordo com o Decreto 7.616/2011, a ESPIN decorre de situações que demandem o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública. A ESPIN será declarada em virtude da ocorrência de situações: epidemiológicas; de desastre; ou de desassistência à população. Já a Emergência de Saúde Pública Internacional, prevista no Decreto 10.212/2020, decorre de evento extraordinário que pode constituir um risco de saúde pública para outros países devido a disseminação internacional de doenças e potencialmente requer uma resposta internacional coordenada e imediata.
Vale ressaltar que a própria Lei 13.979/2020 vinculou sua vigência à do Decreto Legislativo 6/2020 que determinou calamidade pública para fins fiscais, sendo este encerrado em 31 de dezembro de 2020.
No entanto, ao julgar a ADI 6.625/DF em março de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu a vigência da referida lei, sob o fundamento de que “a verdadeira intenção dos legisladores [teria] sido a de manter as medidas profiláticas e terapêuticas extraordinárias, preconizadas naquele diploma normativo, pelo tempo necessário à superação da fase mais crítica da pandemia”. À época, o STF destacou que as medidas excepcionais abrigadas na Lei 13.979/2020 deveriam continuar a integrar o arsenal das autoridades sanitárias para combater a pandemia, com base nos princípios da prevenção e da precaução, que regem as decisões em matéria de saúde pública, adotando como fundamentos a continuidade da ESPIN e o recrudescimento da pandemia com o desenvolvimento de novas cepas do vírus.
Assim, apesar de o encerramento da ESPIN não ter, pelo menos de forma expressa, impactado a vigência da Lei 13.979/2020, com base na fundamentação do acórdão do STF, seria até possível sustentar a cessação dos efeitos da mesma, a partir do início da vigência da Portaria 913/2022. Formalmente, a Lei 13.979/2020 continua vigente, em razão do julgamento do STF supra referido, não obstante o término da vigência do Decreto Legislativo 6/2020 e o encerramento da ESPIN por meio da Portaria 913/2022.
Portaria Conjunta 20/2020
A Portaria Conjunta ME/SEPT 20/2020, alterada pela Portaria Interministerial MTP/MS 17/2022, prevê medidas de prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19 a serem observadas no ambiente de trabalho.
O art. 4º da Portaria 20/2020 dispõe que as medidas nela previstas devem ser adotadas “durante o enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020”. Por sua vez, o seu art. 5º prevê que a Portaria 20/2020 “produzirá efeitos até o término da declaração de emergência em saúde pública, previsto na Portaria n° 188/GM/MS, de 2020.”
Portanto, com o advento da Portaria 913/22, pode-se dizer que a Portaria 20/2020 deixa de produzir efeitos a partir de 22 de maio de 2022, deixando de ser exigíveis os protocolos e medidas de segurança nela previstos.
Em relação ao uso de máscaras, mesmo com a perda da eficácia da Portaria 20/2020 e ainda que os estados e municípios venham desobrigando o uso do material de proteção pessoal em determinados locais, vale lembrar que, formalmente, a Lei 13.979/2020, que obriga o uso de máscaras em determinados locais, permanece em vigor.
Apesar do entendimento do STF (ADI 6.341) de que estados e municípios têm competência e autonomia para estabelecer regras de enfrentamento à Covid-19, considerando que a lei federal é mais restritiva e protetiva em termos de prevenção à disseminação do vírus, é possível que autoridades trabalhistas e sanitárias, em eventuais fiscalizações, se baseiem nas previsões da Lei 13.979/2020.
Lei 14.151/2021
Já a Lei 14.151/2021, alterada pela Lei 14.311/2022, trata do afastamento da empregada gestante não imunizada do trabalho presencial durante a ESPIN, inclusive endereçando situações em que as atividades da gestante sejam incompatíveis com o trabalho remoto. Sobre essa lei, portanto, o encerramento da ESPIN tem impacto direto.
De acordo com a lei promulgada no ano passado, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei 14.311/2022, as gestantes somente poderiam retornar ao trabalho presencial nas seguintes situações não cumulativas: encerramento da ESPIN; comprovação do ciclo completo da vacinação contra o coronavírus; e exercício de opção individual pela não vacinação contra o coronavírus.
Declarado o encerramento da ESPIN, portanto, não há lei que impeça as gestantes não vacinadas de retornarem às atividades presenciais, não sendo mais necessária a comprovação do esquema vacinal completo ou a assinatura de termo de responsabilidade.
Evidente que situações concretas devem ser analisadas caso a caso e que o encerramento da ESPIN, como visto, não pode ser interpretado pelas empresas como uma autorização para que deixem de observar as medidas de prevenção e proteção contra o coronavírus.
Vale enfatizar que, embora declarado o encerramento da ESPIN, o Ministério da Saúde orientará os Estados, o Distrito Federal e os municípios sobre a continuidade das ações que compõem o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pela Covid-19.
Para saber mais sobre o tema, conheça a prática de Trabalhista e Sindical do Mattos Filho