Comercialização de medicamentos em marketplaces: atuais regulamentações e discussões
Conheça as principais normas, movimentações e cenário internacional
Assuntos
Passados quase dois anos após o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, a era pós-pandemia já apresenta novos contornos para a indústria da saúde. Em meio às medidas de quarentena, isolamento social e restrição da circulação de pessoas, o comércio eletrônico trouxe muitos benefícios aos pacientes que buscavam iniciar ou continuar seus tratamentos de saúde, possibilitando não só o acesso às ferramentas de telessaúde, como também a aquisição de alimentos, medicamentos, produtos para saúde, suplementos e entre outros produtos de forma 100% virtual.
Sob o aspecto sanitário, tais produtos estão sujeitos à regulação e fiscalização por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e entidades sanitárias municipais ou estaduais, podendo requerer, ainda, a obtenção de registro ou notificação prévios à sua comercialização, bem como atendimento de requisitos de boas práticas de fabricação e distribuição.
Especificamente no caso de medicamentos, o arcabouço regulatório que trata da dispensação desses produtos prevê, desde 2009, a possibilidade de venda por meios eletrônicos, limitado a farmácias e drogarias que estejam devidamente licenciadas e sejam abertas ao público, contando com um farmacêutico responsável presente durante todo o horário de funcionamento. Outros requisitos incluem:
- Os medicamentos sujeitos a controle especial (ou seja, substâncias entorpecentes, psicotrópicas, anorexígenas, retinóicas, anabolizantes, entre outras) não podem ser dispensados de forma remota;
- Os que exigem apresentação de receita médica, deverão ser submetidos para validação do estabelecimento;
- A comercialização remota deve ser realizada somente no site da farmácia ou drogaria;
- O transporte do medicamento até sua efetiva entrega ao comprador é de responsabilidade do estabelecimento farmacêutico, podendo ser terceirizado a outra empresa devidamente regularizada para tal atividade.
Sob a ótica prática, existe uma demanda de plataformas online (marketplaces) que, impulsionadas pela pandemia, passaram a considerar a comercialização de produtos atualmente restritos a farmácias e drogarias.
Nesse contexto, a Anvisa realizou, em 02 de agosto de 2021, um evento para discutir o tema, ocasião em que manifestou a necessidade de modernização das regulações vigentes para proporcionar maior segurança jurídica aos marketplaces que não são licenciados como farmácia, nem como drogaria, e desejam explorar o comercio eletrônico de produtos regulados, incluindo medicamentos.
Em vista da discussão e considerando o crescimento exponencial desse nicho, em 10 de fevereiro de 2022, a Anvisa publicou a Portaria Anvisa nº 76/2022, que trata da criação de um Grupo de Trabalho (GT), com objetivo revisar os requisitos técnicos para a solicitação remota de dispensação de medicamentos. A coordenação desse grupo de trabalho será feita pela Gerência de Inspeção e Fiscalização de Medicamentos e Insumos Farmacêuticos (Gimed) e contará com representantes das associações de comércio eletrônico, de redes de farmácias, de conselhos profissionais e institutos de varejo, dentre outros.
O GT terá o prazo de 6 meses para conclusão dos trabalhos envolvendo a revisão dos requisitos técnicos para a solicitação remota para dispensação de medicamentos e elaboração das minutas dos documentos produzidos no âmbito do GT, de acordo com o cronograma proposto pelo coordenador do grupo.
Comércio eletrônico: projetos de lei
Dentre os mais de 70 projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados sobre comércio eletrônico, cabe destacar o Projeto de Lei nº 4.906/2001, que possui outros 34 projetos de lei apensados e propõe regras mais detalhadas sobre o tema: informações de divulgação obrigatória ao consumidor; segurança e proteção de dados pessoais; validade de contratos eletrônicos; e responsabilização de provedores, serviços de conexão, armazenamento ou transmissão e fornecedores de serviços e produtos.
Experiência internacional
Nos Estados Unidos, o FDA (U.S. Food & Drug Administration) não faz uma separação de regras aplicáveis para publicidade e/ou venda em sites, apresentando apenas recomendações para que os cidadãos estejam atentos aos sites maliciosos e mal intencionados que podem vender medicamentos não aprovados pela agência e/ou falsificados.
Existem leis federais que regulam as farmácias online, no que diz respeito a venda de substâncias controladas, como no Ryan Haight Online Pharmacy Consumer Protection Act of 2008, que exige o registro de todas as farmácias online que dispensam substâncias controladas junto ao DEA (Drug Enforcement Administration), órgão federal de segurança do Departamento de Justiça dos Estados Unidos encarregado pela repressão e controle de narcóticos.
Já no que diz respeito aos medicamentos classificados como OTC (over-the-counter), que são medicamentos que não necessitam de prescrição médica, de forma geral, sua venda ocorre de forma menos restrita, com dispensa de requisitos de registro ou licenciamento dos locais de venda, salvo algumas exceções em âmbito estadual, sendo inclusive encontrados em diversos sites e plataformas de e-commerce.
Na Europa, o EMA (European Medicines Agency) estabelece algumas regras sobre como a possibilidade da compra online somente através de sites registrados na autoridade nacional competente do respectivo Estado-membro, visando, assim, a evitar o risco de compra de medicamentos falsificados. Há, inclusive, um logo que deve ser adicionado nos sites registrados de forma a identificar o Estado-membro onde o estabelecimento está sediado e garantir aos consumidores que se trata de revendedor autorizado.
Já no Japão, as regras são mais restritas, pois a venda de medicamentos sujeitos à prescrição somente pode ser feita por farmácias licenciadas pelo governo municipal, conforme o PMDL (traduzido para o inglês como Law on Securing Quality, Efficacy and Safety of Pharmaceuticals, Medical Devices, Regenerative and Cellular Therapy Products, Gene Therapy Products, and Cosmetics). Além disso, os medicamentos sujeitos à prescrição são proibidos de serem vendidos a distância ou por qualquer meio eletrônico, devendo ser adquiridos pessoalmente pelo consumidor. Já os medicamentos OTC, salvo por algumas exceções, podem ser vendidos de forma eletrônica, porém somente por locais licenciados para a venda desses medicamentos.
Busca por soluções
Em tempos em que a tecnologia ganha cada vez mais espaço na busca de soluções de logística que facilitem a vida das pessoas, o comércio eletrônico ganha cada vez mais protagonismo e holofote das autoridades de saúde e vigilância sanitária. Surge, então, o grande desafio imposto às agências reguladoras de atuar prontamente na atualização e modernização constante da regulação, visando o acompanhamento dos movimentos e inovações tecnológicas, tendo como grande beneficiado o consumidor.
Iniciativas como a da Anvisa, com a criação do GT, por exemplo, demonstram uma preocupação por parte da agência para endereçar ações que acompanham o constante desenvolvimento tecnológico, tendo como beneficiário, ao final do dia, os próprios consumidores, sob a ótica de segurança e garantia de qualidade e acesso aos produtos sujeitos à vigilância sanitária.
Para mais informações, conheça a prática de Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.