Agência Espacial Brasileira convoca empresas para atuarem no Centro Espacial de Alcântara
Foi aberto o Chamamento Público para interessados nas atividades de lançamentos orbitais e suborbitais
Assuntos
A Agência Espacial Brasileira (AEB), publicou, em 25 de maio de 2020, o processo para contratação da utilização da Base de Alcântara para realizar as tratativas iniciais com as empresas, nacionais ou estrangeiras, interessadas em utilizar os bens e serviços para o lançamento orbitais e suborbitais de veículos espaciais não militares, delineando todas as etapas necessárias ao início de sua exploração.
A Base de Alcântara fica situada no município de Alcântara, a 30 km de São Luís, no Maranhão. O Chamamento Público aceitará cadastros até o dia 31 de julho de 2020, e os especialistas do Mattos Filho destacam, abaixo, as etapas envolvidas nessa importante movimentação:
Chamamento Público
Esta etapa tem por objetivo identificar as empresas, nacionais ou estrangeiras, que tenham interesse em realizar atividades de lançamento através da Base de Alcântara, bem como prover maiores informações sobre o processo contratual.
Desta forma, as empresas interessadas deverão demonstrar seu interesse mediante preenchimento de formulário com suas informações básicas, conceito de operação no Brasil, o veículo lançador e a operação de lançamento pretendida. Neste momento, a empresa estrangeira não precisará apresentar comprovante de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Após validação da inscrição, a AEB entrará em contato com o interessado para a celebração de um Non-Disclosure Agreement – NDA (contrato de confidencialidade) e entregar o Manual do Usuário da Base de Alcântara e um modelo de proposta inicial com sugestão de formatação da exploração.
Processo de Licença do Operador
Nesta etapa, a AEB iniciará o processo de licenciamento, que visa qualificar a pessoa jurídica interessada para realizar operações de lançamento espacial a partir do Brasil, conforme procedimentos estabelecidos pela Portaria n°182, de 28 de maio de 2020.
Processo Contratual e Processo de Autorização de Lançamento
Esta etapa é dividida em dois processos diferentes (contratual e para autorização de lançamento), que poderão acontecer em paralelo, a critério da empresa.
Após a inscrição da empresa interessada, assinatura do NDA e recebimento do Manual do Usuário da Base de Alcântara, a empresa poderá apresentar sua proposta inicial, a ser analisada por uma comissão estabelecida pela AEB. O prazo limite para apresentação da proposta inicial da empresa será de aproximadamente um mês após o encerramento do Chamamento Público, ou seja, por volta de 31 de agosto de 2020.
As propostas serão analisadas pela Comissão Especial de Análise, com integrantes da AEB e do Comando da Aeronáutica (COMAER), instituída por ato do Presidente da AEB. As tratativas do contrato serão realizadas por representantes do COMAER, instituída por ato do Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER). O contrato será firmado entre a empresa habilitada e o COMAER.
Operação de Lançamentos da Base de Alcântara
Após a conclusão de todas as etapas anteriores, será iniciada a etapa de execução das atividades, de acordo com o contrato firmado com o COMAER. Caberá à AEB realizar inspeções de segurança do local, como parte de sua atribuição de supervisão das atividades espaciais não militares a partir do território brasileiro.
Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre Brasil e Estados Unidos
Por muitos anos, a Base de Alcântara permaneceu intacta e sem nenhuma utilização, apesar de todo o seu potencial.
Buscando viabilizar a exploração econômica da Base de Alcântara, em 18 de março de 2019, o Brasil assinou o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos da América, em vigor a partir do dia 16 de dezembro de 2019 e ratificado por meio do Decreto n° 10.220, de 5 de fevereiro de 2020. O Acordo poderá trazer inúmeros benefícios ao Brasil.
A Base de Alcântara é localizada em área considerada por técnicos como uma das melhores do mundo para lançamentos orbitais e suborbitais, por possuir características únicas, como:
- localização privilegiada dos sítios disponíveis a aproximadamente 2º18′ a sul do equador;
- proximidade do mar, o que possibilita lançamentos em órbitas polares e equatoriais;
- baixa densidade demográfica;
- ausência de incidência de terremotos e furacões;
- baixa densidade de tráfego aéreo;
- regularidade climática.
Histórico do tema no Brasil
O tema já foi objeto de debates no início do milênio, quando um acordo anterior foi discutido pelos dois países. Na época, o então presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a assinar o acordo proposto, que foi posteriormente rejeitado pelo Congresso Nacional.
Conforme entendimento do Congresso Nacional, o primeiro acordo feria a soberania do Estado brasileiro por versar sobre cessão do território ou controle da Base de Alcântara pelos Estados Unidos ou outro país, ou mesmo pela garantia de uso exclusivo pelos Estados Unidos, além da restrição do acesso a brasileiros.
O Acordo hoje em vigor foi analisado e aceito pelo Congresso Nacional, que entendeu não haver violação da soberania brasileira, protegendo, mutuamente, tecnologias e patentes das partes contra acesso, uso ou cópia não autorizados – um acordo padrão na área espacial.
A Base de Alcântara permanecerá sob controle exclusivo do governo brasileiro, sob jurisdição do Ministério da Defesa, com participação da AEB, e todas as atividades na Base de Alcântara ocorrerão sob a supervisão de órgãos brasileiros. Tal situação é ressaltada, inclusive, pela necessidade de submissão dos participantes norte-americanos ao controle de imigração e alfândega brasileiros, conforme aplicável.
Características e finalidade do Acordo
A assinatura do Acordo é de suma importância para o início das atividades a partir da Base de Alcântara, sendo considerada condição prévia para o lançamento de objetos espaciais que contenham componentes norte-americanos.
Adicionalmente, segundo a AEB, sem a assinatura do Acordo nenhum satélite com tecnologia norte-americana poderia ser lançado da Base de Alcântara, tendo em vista que não haveria a garantia de proteção da tecnologia patenteada por aquele país. Considerando que, atualmente, 80% do mercado espacial usa a tecnologia americana, a ausência de um acordo de proteção tecnológica limitaria o uso da base brasileira.
Ainda, por ser um acordo recíproco, ele também tem o cunho de proteger tecnologia e patentes brasileiras contra o uso ou cópia não autorizados.
Desta forma, os principais objetivos do Acordo são:
- viabilizar o uso comercial da Base de Alcântara por governos ou empresas privadas;
- evitar o acesso, cópia ou a transferência não autorizada de tecnologias norte-americanas e brasileiras;
- buscar a maior convergência possível de interesses entre os dois países, via negociação;
- estabelecer instrumento básico e referencial para produzir normas procedimentais específicas; e
- incorporar instrumentos jurídicos e acordos firmados pelas partes.
No entanto, o Acordo somente autoriza a exploração da Base de Alcântara pelos países signatários do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MCTR), associação informal de países que combate a proliferação de mísseis capazes de lançar armas de destruição em massa, a menos que de outra forma acordado entre Brasil e Estados Unidos. Além disso, o Acordo não contempla o lançamento de mísseis bélicos.
Em suma, o Acordo possibilitará a ampla exploração da Base de Alcântara e dará ao Brasil a possibilidade de retorno financeiro para que se possa reinvestir no Programa Espacial Brasileiro (PEB). Assim, os Estados Unidos da América permitirão que o Brasil lance foguetes e satélites de outras nacionalidades que possuam componentes americanos, e, em troca dessa autorização, o Brasil garantirá proteção da tecnologia americana para que ela não seja copiada.
Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro
A exploração da Base de Alcântara deve gerar recursos que possibilitarão a captação e aprofundamento das atividades espaciais, permitindo a entrada da Base de Alcântara no mercado global de lançamentos de cargas ao espaço exterior.
Além disso, espera-se que sua utilização facilite a atração de investimentos, desenvolvimento de uma cadeia produtiva de alto valor agregado, indução de atividades econômicas em apoio aos serviços de lançamento, alavancagem do setor de serviços, incluindo turismo espacial e incrementação da arrecadação de impostos naquela região do país.
Por fim, é importante destacar que a exploração da Base de Alcântara é uma iniciativa que atende aos interesses do PEB, uma vez que os termos do Acordo permitem o emprego dos recursos advindos da sua exploração ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do PEB, que tem, como objetivo principal, o lançamento de foguetes brasileiros – tarefa que não obteve sucesso em suas últimas três tentativas.
Vale ressaltar que é vedada a utilização de tais recursos para a aquisição, desenvolvimento, produção, teste, emprego ou utilização de mísseis capazes de lançar armas de destruição em massa.
Para mais informações sobre atuação na Base de Alcântara, conheça a prática de Aviação do Mattos Filho.