Entenda o posicionamento do CADE sobre cooperação entre concorrentes no contexto da atual crise
CADE buscou equilíbrio entre flexibilidade procedimental e diligências necessárias para prevenção de distorções na concorrência
Assuntos
Há atualmente um intenso debate ao redor do mundo sobre como autoridades antitruste devem lidar com a cooperação entre concorrentes no contexto da crise do Covid-19. Em 28 de maio de 2020, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) teve a oportunidade de emitir decisão formal no primeiro caso submetido à sua apreciação e mostrou que, em linha com outras autoridades antitruste estrangeiras, o CADE está pronto para agir rapidamente e fornecer a orientação necessária a empresas dispostas a cooperar com concorrentes como forma de lidar com os desafios da atual crise.
O caso discutido pelo Tribunal do CADE refere-se a um
acordo de colaboração entre as principais empresas de bebidas e alimentação, a saber: Ambev, BRF, Coca-Cola, Mondelez, Nestlé e Pepsico (as “Partes“). O principal objetivo desse acordo é mitigar os efeitos da crise econômica enfrentada por pequenos varejistas no setor de bebidas e alimentação e decorrente das medidas de distanciamento social relacionadas à pandemia do Covid-19 no Brasil.
O acordo de colaboração compreende ações para a recuperação de pequenos varejistas no setor de bebidas e alimentação e a adoção de medidas sanitárias (distribuição de EPIs para cerca de 150.000 pontos de venda e publicação de protocolos de saúde e segurança). Além disso, cada uma das partes comprometeu-se a oferecer individualmente suporte contínuo durante três meses e condições comerciais especiais para recompor as margens de lucro dos pequenos varejistas.
Dentre as condições comerciais previstas, destacam-se:
- condições comerciais diferenciadas, tais como maiores prazos para pagamento, pagamento em maior número de parcelas, crédito digital para a primeira compra, descontos especiais, amostra grátis e produtos consignados;
- garantia de estoques e capital de giro com promoções e descontos especiais;
- compartilhamento de informações públicas e prover mais acesso a outros benefícios disponíveis para pequenos varejistas nos mercados de bebidas e alimentação.
As principais conclusões que se pode extrair da decisão do CADE são:
1) Flexibilidade procedimental
O CADE está disposto a demonstrar flexibilidade procedimental para analisar a legitimidade de cooperação entre concorrentes concebida para suprimir falhas de mercado decorrentes da atual crise econômica (e.g., acordos para lidar com choques de oferta e demanda) ou para esforços conjuntos de P&D visando combater o Covid-19.
Apesar do acordo de colaboração em questão não preencher os requisitos de notificação obrigatória, e de existir um mecanismo de consulta para analisar a legalidade de contratos e práticas comerciais (cujo período de análise pode ser de até 120 dias), a Superintendência Geral do CADE analisou e processou a petição das Partes de forma expedita no âmbito de um procedimento não-regulado e sumário chamado “Protocolo”. Reconhecendo a excepcionalidade e urgência do pedido e a necessidade de um posicionamento rápido, o CADE emitiu sua decisão dentro de dez dias corridos contados a partir do protocolo da petição.
2) Padrão de análise consistente com as melhores práticas internacionais
O CADE seguiu diretrizes da OCDE e da Interational Competition Network (“ICN”) a respeito das melhores práticas para analisar a cooperação entre concorrentes no contexto da crise do Covid-19, e concluiu que, a princípio, a cooperação concebida pelas Partes não constitui um ilícito antitruste. A decisão foi suportada pelos seguintes argumentos de fato e de direito:
- há justificativa econômica razoável para o acordo de cooperação e nexo causal entre a cooperação proposta e a crise do Covid-19 (i. e., a cooperação entre os concorrentes foi considerada essencial para os pequenos varejistas retomarem suas atividades econômicas);
- o acordo permanecerá em vigor por um período limitado (i.e., até 31 de outubro de 2020);
- as Partes não coordenarão práticas comerciais e tampouco trocarão informações concorrencialmente sensíveis;
- as Partes adotarão salvaguardas para evitar a troca de informações concorrencialmente sensíveis em reuniões entre concorrentes para implementar a colaboração em questão;
- tal cooperação gerará eficiências que não poderiam ser obtidas pelas Partes de forma isolada, e, em virtude dessa cooperação, os consumidores serão beneficiados.
3) Ausência de imunidade antitruste para as Partes e monitoramento
O CADE também deixou claro que a decisão não concede às Partes nenhum tipo de imunidade antitruste. Se, mais tarde, houver indícios de conduta anticompetitiva relacionada à implementação do acordo de cooperação em questão, não haverá qualquer impedimento para que o CADE adote medidas de persecução administrativa contra as Partes. A implementação dessa colaboração entre concorrentes será monitorada pela Superitendência Geral do CADE, que poderá solicitar às Partes, a qualquer momento, informações a respeito da execução do acordo, e analisará o relatório final a ser submetido pelas empresas ao final da sua vigência.
Histórico recente e expectativa para futuras decisões
Como visto, o CADE está observando as melhores práticas internacionais e demonstrando seu compromisso em procurar um equilíbrio apropriado entre a flexibilidade para rever cooperação entre concorrentes para enfrentar a crise econômica resultante da pandemia, e diligências necessárias para prevenir distorções na concorrência.
Apesar dessa ter sido a primeira colaboração entre concorrentes relacionada ao Covid-19 que foi analisada e aprovada pelo CADE, essa não é a primeira vez que o CADE faz uso do procedimento “Protocolo” para analisar cooperação entre concorrentes. O CADE seguiu o mesmo procedimento e padrão de análise para rever o acordo de colaboração entre distribuidoras de combustível (nomeadamente, Raízen, Petrobras Distribuidora e Ipiranga) para compartilhamento de capacidade logística durante a crise de abastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros em 2018. Doravante, podemos esperar que o CADE adotará a mesma abordagem ao analisar outros acordos de cooperação entre concorrentes para lidar com outras disrupções de mercado causadas pela crise do Covid-19.
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