A Receita Federal do Brasil tem investigado se as relações existentes entre os artistas e empresas de mídia devem ser consideradas como relações de emprego. O curioso é que essa discussão devia ter sido definitivamente superada por um ato legislativo de 15 anos atrás que disciplina justamente essa relação.
Em 2005, foi sancionada a Lei nº11.196/2005, que determinou ser possível prestar serviços intelectuais, inclusive os de natureza artística ou cultural, por meio de pessoas jurídicas. E mais: nesses casos, somente a legislação aplicável às pessoas jurídicas deveria se aplicar.
A aplicação desse dispositivo não é uma exclusividade do setor artístico e visa justamente permitir a liberdade de expressão intelectual, cultural ou artística, sem a necessidade de um vínculo empregatício que deturpe essa prestação de serviço devido à subordinação.
Fundamentado nesse ato legislativo, houve uma crescente formalização de prestações de serviços intelectuais, de natureza artística e cultural, entre as pessoas jurídicas tomadoras dos serviços – entre elas, empresas de mídia – e pessoas jurídicas vinculadas aos artistas, sejam eles sócios ou empregados destas.
No entanto, a Receita Federal volta a alegar que pessoas jurídicas vinculadas aos artistas apenas existiram para “mascarar” relações de trabalho diretamente da pessoa física do artista para a tomadora dos serviços. A partir dessa alegação, o Fisco reclassifica a relação jurídica como de empregado e passa a exigir imposto de renda com base na tabela progressiva (mais penoso do que o imposto pago por pessoas jurídicas) e penalidades incidentes.
Mas não era justamente esse o objetivo da Lei nº 11.196/2005? A mencionada lei expressamente prevê que esses serviços intelectuais de natureza artística somente estarão sujeitos à legislação aplicável às pessoas jurídicas quando se tratar de fins fiscais e previdenciários. Não nos parece que a Receita Federal poderia simplesmente ignorar essa decisão do legislador de prever essa situação específica com tratamento tributário específico.
Nessa linha, recentemente a Confederação Nacional da Comunicação Social (CNCOM) ingressou no Supremo Tribunal Federal com ação para declarar a constitucionalidade dessa lei específica (ADC 66). Isso porque, segundo notícia do próprio site do STF, tanto a Receita Federal e o CARF quanto a Justiça do Trabalho têm desconsiderado as disposições legais para reclassificar as relações como contratos de trabalho regidos pela CLT ou como prestadores autônomos.
A postura do Fisco em identificar relações de emprego em prestações de serviços variadas vai de encontro às evoluções (nesse caso, especificamente a Lei 11.196) legislativas e fáticas no tocante às relações de trabalho.
Não há dúvidas de que debates devem ocorrer para abarcar as novas relações de trabalho e de prestação de serviços, a fim de atender a questões como o custeio e o acesso aos benefícios da Seguridade Social. Mas não se pode concordar com a postura que o Fisco vem adotando de alegar que há (sempre) uma relação de emprego, descaracterizando por completo pessoas jurídicas, em afronta à segurança jurídica.