Os possíveis efeitos da ADI 5.529 e seus impactos para o regime de proteção de patentes
Decisão do STF, a depender de seus efeitos, pode causar impactos relevantes sobre a proteção das patentes e as relações contratuais
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.529, ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em 17 de maio de 2016, tem como objetivo declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), o qual dispõe sobre o prazo de vigência das patentes de invenção e modelo de utilidade.
Muito se tem discutido sobre os possíveis desdobramentos da ação e os cenários que poderão ser enfrentados na prática caso a decisão monocrática do Ministro Relator Dias Toffoli seja referendada pelo colegiado, confirmando a inconstitucionalidade da norma. Dando continuidade à sequência de publicações do Mattos Filho sobre o tema, veja abaixo os principais pontos que envolvem essa decisão, como suas implicações e impactos em contratos, além de detalhes sobre o atual sistema de patentes no Brasil, suas funções e seu atual regime de proteção.
Os possíveis efeitos da decisão da ADI 5.529
O julgamento da ADI 5.529, do Superior Tribunal Federal (STF), é uma tentativa de resolver um dilema antigo entre garantir ao titular da patente um tempo mínimo para usufruir de sua invenção com exclusividade ou evitar o monopólio legal propiciado por um prazo não estabelecido do modo fixo para proteção das patentes.
Vale esclarecer que, caso confirmada, a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 poderá ser declarada com três diferentes efeitos:
- Efeitos ex tunc, ou seja, afetando retroativamente todas as patentes, concedidas ou não;
- Efeitos modulados para afetar apenas as patentes que venham a ser concedidas a partir da data da confirmação da decisão;
- Efeitos modulados para afetar apenas as patentes que venham a ser depositadas a partir da data da confirmação da decisão.
Como seriam os efeitos na prática
No efeito ex tunc, os titulares das patentes que já estejam desfrutando ou desfrutaram do prazo mínimo previsto no parágrafo único (ou seja, patentes de invenção concedidas após 10 anos de trâmite no INPI) teriam o direito de exclusividade sobre o referido ativo corrigido para o prazo de proteção aos 20 anos subsequentes ao seu depósito. Estima-se que, apenas nessa situação, mais de 36 mil patentes seriam afetadas. Também nesse contexto, aqueles que já tivessem depositado o pedido de patente há mais de 20 anos, caso viessem a obter sua concessão, receberiam uma patente sobre a qual já não teriam qualquer direito de exclusividade – estando presente apenas o direito de reparação por eventual uso não autorizado desde o depósito da patente.
O segundo cenário, certamente mais brando, significaria que todas as patentes vigentes seriam mantidas tal como estão, mas aquelas que viessem a ser concedidas a partir da data de confirmação da decisão teriam o seu prazo de exclusividade limitado aos 20 anos posteriores data de depósito – ou seja, também seriam afetados aqueles que estivessem enfrentando o processo administrativo há mais de 20 anos, recebendo, em caso de concessão, uma patente sobre a qual não teriam exclusividade.
Na terceira hipótese, por fim, só seriam afetados aqueles que depositassem seus pedidos de patente a partir da data de confirmação da declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único. Essa alternativa, caso adotada, deixaria de prejudicar aqueles que depositaram seus pedidos de patente com a expectativa de que, ao menos por 10 anos após a concessão, o exercício do direito de exclusividade lhes seria garantido. Significaria, por outro lado, uma medida sem efeitos relevantes a curto prazo, contrariando o senso de urgência reconhecido pelo Ministro Relator em sua decisão monocrática.
Consequências da declaração de inconstitucionalidade
Independentemente dos efeitos, uma vez declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único, espera-se que o próprio backlog seja reduzido, uma vez que, além das medidas atuais de iniciativa do INPI, haveria uma pressão externa ainda maior por um desempenho mais célere do instituto, esforçando-se os titulares ao máximo para obter a concessão de sua patente com a maior brevidade possível, seja fazendo uso dos meios disponíveis atualmente para exame acelerado ou com a tomada de medidas judiciais que entendam cabíveis para que a Autarquia analise o pedido de patente em tempo razoável.
Apesar disso, é inegável que a declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único também pode trazer insegurança jurídica, principalmente a depender dos efeitos atribuídos à decisão do STF. Além disso, caso os efeitos sejam retroativos em qualquer medida, os contratos envolvendo patentes certamente serão um dos pontos de maior sensibilidade.
É difícil prever o que ocorrerá, por exemplo, com contratos de cessão celebrados no período em que o titular usufruía de proteção exclusivamente pela aplicação do parágrafo único. Aquele que pagou por um bem hoje tido como público poderá buscar reparação? Se sim, em face de quem? Há fundamento para desfazimento do negócio jurídico ou cobrança de valores retroativos?
Questionamentos relevantes também surgem em relação aos contratos de licença: que tipo de impacto pode ocorrer, por exemplo, se um contrato de licença válido entre 2010 e 2025 tiver como objeto o uso de uma patente que, a partir do julgamento da ADI, passar a figurar em domínio público desde 2020? Questões envolvendo a restituição de pagamento indevido ou mesmo a manutenção do que havia sido pactuado de boa-fé deverão ser objeto de discussão em âmbito judicial, caso as partes não consigam alcançar uma conclusão razoável sobre o que deve prevalecer.
Em todos os casos, novos parâmetros deverão ser estabelecidos para regular as relações contratuais. Será necessário encontrar uma saída viável para a negociação entre as partes e, ainda que com dificuldades, o equilíbrio do contrato deverá ser minimamente reestabelecido. Caso a situação não possa ser resolvida por essa via, ficará a cargo do Judiciário estabelecer um posicionamento e uma diretriz a ser seguida diante das inovações impostas pela inconstitucionalidade da norma.
O atual sistema de proteção de patentes no Brasil
A patente é o título de propriedade industrial que protege uma invenção e garante ao titular direitos exclusivos sobre sua exploração por um período limitado em um determinado país. O Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo Trips) e a LPI preveem três requisitos para uma invenção ser patenteável: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Verificados esses requisitos, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Autarquia Federal responsável, concede a patente, formalizando o direito exclusivo de seu titular sobre seu objeto.
O artigo 40, caput, da LPI determina que o prazo de vigência da patente de invenção e de modelo de utilidade será de 20 ou 15 anos, respectivamente, contados da data de protocolo do pedido. O parágrafo único do artigo 40 da LPI assegura que o prazo de vigência não será inferior a 10 anos, no caso das patentes de invenção, e a sete anos, no caso das patentes de modelo de utilidade, a contar da data de sua concessão. O parágrafo único, portanto, pode conferir à patente uma proteção por um período não determinável em um primeiro momento, em função da tramitação administrativa de cada exame realizado pelo INPI e eventuais atrasos do instituto.
A partir da data de depósito, o titular do pedido tem uma expectativa de direito que pode se materializar ou não, a depender do exame de mérito a ser realizado pelo INPI. Ou seja, em tese, não é garantido um direito de exclusividade ao titular daquele pedido até que a patente seja concedida. Após a concessão, porém, além de serem assegurados ao seu titular os direitos de exclusividade na exploração da patente, também lhe é permitido pleitear reparação por qualquer exploração indevida que tenha ocorrido antes da concessão da patente, nos termos do artigo 44 da LPI.
Logo, desde seu depósito, o direito de reparação por uso não autorizado do conteúdo da patente pode ser aplicado, desde que a patente venha ser concedida no futuro, o que tende a inibir, na prática, sua exploração por terceiros não autorizados, pelo risco de terem de pagar por tal uso ao titular da patente. Esse fato é usado pelos que defendem que a concessão de patentes com o critério estabelecido pelo parágrafo único resulta em um ambiente suscetível a monopólios e exercício de exclusividade real por mais de 20 anos. Por outro lado, há de se considerar que o exercício da exclusividade só se dá efetivamente a partir da concessão da patente – aplicabilidade do artigo 42 da LPI –, sendo o período anterior limitado a um dever de reparação que por vezes não alcança o real prejuízo, seja pela dificuldade de comprovação de dano no decorrer do tempo ou pela própria incapacidade de se mensurar como a utilização do objeto da patente ao longo do tempo tenha prejudicado o titular.
Uma visão internacional sobre a proteção das patentes
Vale lembrar que o Acordo Trips, do qual o Brasil é signatário, estabelece em seu artigo 33 que a vigência da patente não será inferior a um prazo de 20 anos, contados a partir da data do depósito. Logo, o estabelecimento de um prazo adicional de proteção à patente não deriva de um compromisso internacional assumido pelo Brasil, mas de uma decisão de mitigar os efeitos do backlog (atraso crônico no processamento de pedidos de patentes) do INPI.
Por outro lado, o Acordo também não apresenta qualquer restrição à possibilidade de ampliação da proteção da patente, desde que tal medida não prejudique em demasia os interesses de terceiros. Inclusive, alguns países, em hipóteses mais restritas, preveem a flexibilização e consequente extensão da regulamentação exigida pelo Acordo Trips, em regras do tipo Trips-Plus, como são conhecidos os regramentos nacionais que conferem proteção além do mínimo exigido aos países membros do Acordo. Não obstante, o próprio acordo TRIPS, em seu artigo 62 (2), determina que os países membros devem assegurar meios para evitar que procedimentos de concessão gerem uma redução indevida do prazo de proteção do ativo.
No caso da União Europeia, estão previstos os Supplementary Protection Certificates (SPCs), que tratam de certificados que conferem certa extensão à vigência de patentes ao expandir exclusividade de mercado de alguns produtos farmacêuticos e fitossanitários. Também é o caso dos Estados Unidos, onde o prazo do Patent Term Adjustment (PTA) é calculado segundo regras específicas e só é válido caso reste comprovada a demora na análise do pedido de patente causada pelo escritório de patentes americano, e onde também há os Patent Terms Extended (PTE), que prolongam a proteção da patente em função de atrasos na análise de agências reguladoras, como a US Food and Drug Administration (FDA).
A base das principais críticas ao parágrafo único da LPI, então, não se refere à impossibilidade de se conceder a extensão do privilégio, mas ao fato de que a falta de parâmetros do parágrafo único do artigo 40 da LPI pode conferir ao titular da patente uma exclusividade de mercado por um prazo não verificável na prática. Segundo o Procurador Geral da República, isso prejudicaria a segurança jurídica, a livre concorrência, os direitos do consumidor e os princípios da temporariedade e adequação econômica da duração do privilégio da patente.
Caberá, portanto, aguardar o pronunciamento do órgão colegiado do STF na Ação Indireta de Inconstitucionalidade para melhor compreender qual será o entendimento adotado e, a depender dos efeitos aplicados à decisão, de que forma as partes que tiverem seus direitos lesados ou ameaçados poderão buscar reparação, conforme garantido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Para melhor compreender os impactos da ADI 5.529, e de que forma o Judiciário poderá oferecer soluções às novas questões surgidas, acompanhe a próxima publicação do Mattos Filho sobre o tema. E, para mais informações sobre patentes e contratos envolvendo ativos de PI, conheça as prática de Propriedade Intelectual e Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.
*Colaboraram Lorena Sampaio Pereira e Nathalia Fraifeld.