STJ define que limite de desconto de crédito consignado não se aplica a empréstimo comum
Pela tese fixada, são lícitos os descontos de empréstimos comuns em conta corrente, com impacto na aplicação da Lei do Superendividamento
Os Recursos Especiais nº 1.863.973, 1.872.441 e 1.877.113 foram selecionados pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em abril de 2021, por meio do Tema Repetitivo 1085, como representativos da seguinte controvérsia: definir se, em contrato de mútuo bancário comum, em que há expressa autorização do mutuário para que o pagamento se dê por meio de descontos mensais em sua conta corrente, é aplicável ou não a limitação de 35% prevista pelo art. 1º, § 1º da Lei nº 10.820/2003, que disciplina o contrato de crédito consignado.
Ao julgar os referidos recursos especiais, em 9 de março de 2022, o STJ fixou a tese de que são lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta corrente– ainda que esta seja utilizada para o recebimento de salários –, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar. Dessa forma, não é aplicável, por analogia, a limitação de desconto de 35% que a Lei nº 10.820/2003 impõe.
Reflexos na aplicação da Lei do Superendividamento
Tal tese impacta diretamente a interpretação da Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), que alterou o Código de Defesa do Consumidor para dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
Isso porque, segundo o STJ, a pretendida limitação dos descontos em conta corrente, por aplicação analógica da Lei nº 10.820/2003, não representa instrumento idôneo a combater o endividamento exacerbado, com vistas à preservação do mínimo existencial do consumidor. Dessa forma, nos termos da tese firmada, a prevenção e o combate ao superendividamento não devem ocorrer por meio de uma indevida intervenção judicial nos contratos, sem conferir ao credor (o fornecedor) a possibilidade de renegociar o débito e sem uma política pública séria de “crédito responsável”.
Aplicação do limite legal
O STJ ressaltou que a aplicação por analogia do limite legal de 35% esvaziaria a devida conscientização do consumidor devedor a respeito do “crédito responsável”, disposto na Lei do Superendividamento, o qual, sob a vertente do consumidor, consiste na não assunção de compromisso acima de sua capacidade financeira, com o controle da situação de superendividamento. Ao contrário, a generalização da medida – sem conferir ao credor a possibilidade de renegociar o débito – redundaria na restrição e no encarecimento do crédito, como efeito colateral.
Nesse sentido, a tese firmada pelo STJ afeta diretamente a jurisprudência que vinha se consolidando no sentido de que, em contratos de empréstimo comum, seria possível a limitação dos descontos das parcelas na conta corrente a 30% ou 35% dos rendimentos do consumidor, com fundamento na preservação do mínimo existencial previsto pela Lei do Superendividamento.
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