Tributos: Pacote de propostas busca aumentar arrecadação tributária sobre pessoas físicas de alta renda em tempos de coronavírus
Na luta contra os impactos do Covid-19, diversas entidades assinaram carta aberta com pacote de propostas legislativas para aumentar arrecadação de tributos específicos
No contexto das diversas medidas econômicas recentemente anunciadas para o combate do Covid-19, foi divulgada, na última terça-feira (23/3), a carta aberta elaborada pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Auditores Fiscais pela Democracia (AFD) e pelo Instituto Justiça Fiscal (IJF), com uma série de propostas de alterações legislativas com objetivo de majorar a arrecadação de tributos pagos por pessoas físicas e jurídicas. Para Pessoas físicas, a proposta tem foco no aumento de tributos já existentes e na instituição de novos tributos que visam impactar diretamente os contribuintes de alta renda e patrimônio. Dentre essas medidas, destacam-se: • Tributação do patrimônio pelo Imposto sobre Grandes Fortunas (“IGF”) ;• Tributação de doações e heranças pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”);• Instituição da chamada Contribuição Social sobre Altas rendas das Pessoas Físicas (“CSPF”);• A revogação da isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (“IRPF”) sobre os dividendos e novas alíquotas para a tabela progressiva. O IGF, que tem sua competência já prevista na Constituição Federal de 1988, é objeto da medida número oito da carta aberta e já foi alvo de diversos projetos legislativos que não prosperaram até então. Nessa atual proposta, o IGF teria sua incidência determinada sobre o patrimônio de pessoas físicas que exceda R$ 20 milhões, sendo cobrado com base em alíquotas progressivas de 1% a 3% (um a três por cento).
Adicionalmente, está em trâmite no site no Senado Federal a consulta pública quanto a opinião popular sobre o Projeto de Lei Complementar (“PLC”) nº. 183/2019, que propõe a regulamentação e, consequentemente, instituição do IGF. Nesta proposta, o fato gerador consistiria na titularidade de patrimônio líquido de valor superior a 12 mil vezes o limite mensal de isenção do imposto de renda de pessoa física (em números atuais, aproximadamente R$ 23 milhões), sendo as alíquotas fixadas entre 0,5% e 1%, de acordo com o valor do patrimônio.
Sobre essa proposta legislativa, na última quarta-feira (25/03), o Senador Major Olímpio (PSL-SP) apresentou relatório legislativo favorável à conversão do PLC n° 183/2019 em Lei Complementar, propondo apenas duas emendas ao texto original, sendo elas: (i) em razão da situação de calamidade pública atual decorrente da Covid-19, a instituição do IGF pelo caráter temporário de dois anos; e (ii) a destinação dos recursos arrecadados ao Fundo Nacional de Saúde (FNS), ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
No entanto, em análise preliminar, observamos que tais emendas poderiam estar sujeitas a arguições de inconstitucionalidade, haja vista a previsão constitucional de que impostos são, de modo geral, tributos não vinculados a qualquer destinação específica pelos entes federativos, com exceção para ações públicas de saúde. Ademais, no que tange ao status do trâmite legislativo em questão, verifica-se que após passar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, o PLC 183 estará pronto para ser apreciado pelo Plenário, ocasião em que, se aprovado, será encaminhado à Câmara dos Deputados, para revisão.
Outra proposta de instituição do IGF que merece destaque é o Projeto de Lei Complementar nº. 50/2020, de autoria da Senadora Eliziane Gama (CIDADANIA/MA). Nesse caso, o IGF seria instituído nos mesmos parâmetros de base de cálculo e alíquotas progressivas previstos no PLC nº 183/2019, com o diferencial de que também é previsto, no mesmo texto legislativo, a instituição de um empréstimo compulsório sobre grandes fortunas. O empréstimo compulsório configuraria tributo restituível e não sujeito a anterioridade de exercício ou nonagesimal, sendo que, nos termos apresentados, os recursos arrecadados seriam devolvidos ao contribuinte a partir de 2021 mediante compensação com o saldo devedor a título de IGF. Em termos econômicos, o texto do PLC nº 50/2020 prevê a cobrança do empréstimo compulsório na proporção de quatro centavos para cada real excedente ao limite de isenção do IGF (aproximadamente R$ 23 milhões), adotando-se assim, na prática, a alíquota de 4% (quatro por cento).
No que diz respeito ao ITCMD, imposto de competência estadual, é proposto na medida número sete da carta aberta o aumento da sua alíquota máxima, atualmente fixada em 8% (oito por cento) por resolução específica do Senado Federal, que vigora desde 1992. Nesse sentido, o documento prevê que os Estados e o Distrito Federal possam cobrar o ITCMD, devido sobre heranças e doações, com base em alíquotas progressivas de até 30% (trinta por cento). Já na medida número 1 da carta aberta é introduzida a Contribuição Social sobre Altas rendas das Pessoas Físicas (CSPF), como um novo tributo que seria devido pelos contribuintes que perceberem rendimentos tributáveis em montantes acima de R$ 80 mil (oitenta mil reais) no mês, a serem tributados pela alíquota de 20%. Trata-se, portanto, de um novo tributo sobre os rendimentos das pessoas físicas, que já sofrem a incidência do IRPF. Por fim, para aspectos relacionados ao Imposto de Renda de Pessoa Física, em sua medida de número 4, destacam-se as seguintes propostas: • a revogação da isenção sobre dividendos, sendo que, quando remetidos ao exterior, estariam sujeitos à tributação pelo IR na fonte, à alíquota de 25% (majorada para 50% nos casos em que o beneficiário do pagamento esteja localizado em paraíso fiscal); • a modificação da tabela progressiva do IRPF, para incluir novas faixas de tributação às alíquotas de 35% (trinta e cinco por cento) e 40% (quarenta por cento), que incidiriam sobre rendimentos superiores ao equivalente a sessenta e oitenta salários mínimos, bem como a inclusão de alíquota “marginal temporária” fixada em 60% (sessenta por cento), que incidira sobre rendimentos superiores a trezentos salários mínimos ao mês; e, • a elevação do limite de isenção do IRPF para rendas mensais de até R$ 4.000,00 (quatro mil reais).
É importante mencionar que as iniciativas descritas na carta aberta não são automaticamente implementáveis, estando, portanto, sujeitas ao rito legislativo aplicável para aprovação, bem como, salvo no caso do IGF e tributação de dividendos, inexistem projetos de lei refletindo tais iniciativas. De toda forma, vale destacar que, na hipótese de aprovação e conversão em lei dessas medidas, com exceção ao empréstimo compulsório, a eficácia das novas regras estaria sujeita à observância do princípio da anterioridade, de exercício e nonagesimal, de acordo com a natureza dos tributos que sejam instituídos ou majorados. Para mais informações, conheça a prática de Gestão Patrimonial, Família e Sucessões do Mattos Filho.