

Transações nos Estados e municípios para a redução do contencioso tributário
Adesão ao mecanismo pelos Estados e municípios facilitam negociação de débitos e encerramento de litígios fiscais
Assuntos
Como visto nos artigos da série especial “Soluções alternativas de conflito com o Fisco”, com base na da Lei nº 13.988/2020, a União tem aberto aos contribuintes a oportunidade de utilização do instituto da transação, enquanto solução alternativa de conflitos que permite a negociação de débitos e o encerramento de litígios fiscais.
Ainda em menor escala, os Estados e municípios também têm se utilizado cada vez mais desse mesmo mecanismo a fim de aumentar a arrecadação a curto prazo e evitar a conhecidamente custosa via da execução fiscal.
As transações no âmbito municipal e estadual têm extrema relevância, pois, em sua grande maioria, estarão vinculadas a débitos de tributos indiretos incidentes sobre o consumo, que são muitas vezes inadimplidos pelos contribuintes endividados.
Transação nos Estados
Diversos Estados da Federação regulamentaram a transação tributária, a luz dos art. 171 e 156, inciso III do CTN, tais como São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
A título de exemplo o Estado de São Paulo editou a Lei 17.293 de 2020, regulamentada pela Resolução PGE nº 27/2020 e pela Portaria SUBG CTF nº 20/2020 que, dentre outras medidas, autorizaram a transação de créditos de natureza tributária e não tributária, nos seguintes termos:
- A legislação estabeleceu duas modalidades de transação: por adesão e individual;
- Os descontos inversamente proporcionais ao grau de recuperabilidade das dívidas, podendo chegar a 40% sobre juros e multa, para dívidas classificadas no rating “D”;
- O pagamento do débito em até 84 meses, nos casos de devedor em recuperação judicial ou extrajudicial, insolvência e liquidação e até 60 meses nos demais casos;
A transação como meio de extinção do crédito tributário é assunto novo para o Fisco Paulista. O primeiro acordo de transação individual do Estado de São Paulo que se tem notícia ocorreu no mês de julho de 2021. O débito transacionado era de aproximadamente R$ 51 milhões, e foi concedido desconto de aproximadamente R$ 13 milhões, além da suspensão processual enquanto não encerrada a negociação.
No Estado do Rio Grande do Sul, a Procuradoria do Estado elaborou um interessante programa de “composições consensuais com base na penhora do faturamento dos devedores”, através da Portaria nº 434 de 04 de junho de 2019.
Entre as condições estabelecidas pela Procuradoria para a formação da composição destacam-se:
- Comprometimento mensal mínimo para pagamento da parcela devida a título de penhora de faturamento de 1,5% da receita bruta da empresa;
- Definição da parcela mínima devida a título de penhora de faturamento correspondente a, no mínimo, 120% do encargo mensal incidente sobre a dívida;
- Recolhimento integral do ICMS vincendo nos três meses anteriores à formalização da negociação e, no mínimo, enquanto viger a composição;
- Reconhecimento expresso da dívida, com renúncia e/ou desistência de qualquer discussão judicial acerca do crédito tributário;
- Apresentação de garantia fidejussória de seus administradores ou sócios-gerentes, independentemente da prévia existência de outras garantias.
Além disso, a regulamentação prevê hipótese de quitação das parcelas com a utilização de precatórios da dívida do Estado do Rio Grande do Sul.
Os pedidos de composição poderão ser formulados diretamente pelo devedor, ou por procurador com poderes para tanto, e tramitará em processo administrativo eletrônico.
Por fim, após a formalização do acordo, os créditos objeto da composição com penhora de faturamento farão jus à certidão positiva com efeitos de negativa.
Transação nos municípios
No âmbito municipal, alguns exemplos de municípios que já adotaram e regulamentaram a transação são: Campinas (SP), São Carlos (SP), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Blumenau (SC), Campo Grande (MS) e Rio de Janeiro (RJ).
O município de Blumenau é, por ora, um dos mais entusiastas do mecanismo. Antes mesmo de a União legislar e implementar a transação tributária, o município já tinha editado a própria legislação (Lei 8.532/17) com características interessantes sobre o tema, como a possibilidade de extinção não somente de juros e multa, como é comum, mas também de parte do débito principal.
Além disso, o município criou uma câmara de transação para firmar os acordos, formada por dois procuradores titulares efetivos e dois procuradores suplentes.
No município do Rio de Janeiro foi instituído o denominado programa Resolve Rio, criado por meio da Resolução PGM nº 1.052, de 3 de maio de 2021, que já recuperou R$ 26,1 milhões. A estimativa da Procuradoria, segundo dados disponibilizados pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, é de que o programa recupere mais de R$ 700 milhões.
A Procuradoria busca observar as seguintes características no programa de transação carioca:
- Escassa possibilidade de êxito da cobrança, de acordo com as provas e os precedentes judiciais e administrativos;
- Escassa possibilidade de reversão de sentença, em especial nos casos de decisões baseadas em provas técnicas;
- Necessidade de tratamento isonômico entre contribuintes na mesma situação fática ou jurídica;
- Devedor pessoa jurídica que teve declaração de falência ou que figure como parte em processo de recuperação judicial, extrajudicial ou liquidação extrajudicial;
- Situações fáticas que justifiquem eventual revisão do lançamento.
Por fim, o município de São Paulo, buscando instituir a política de desjudicialização, criou a possibilidade de transação tributária através da Lei nº 17.324/2020.
O instrumento paulistano de transação pode se dar em três modalidades:
- Proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa;
- Adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário;
- Adesão no contencioso administrativo tributário de baixo valor.
A Lei 17.324/2020 prevê ainda que a proposta de transação aceita e homologada suspende a exigibilidade dos créditos tributários.
A transação paulistana não se confunde com o Programa de Parcelamento Incentivado (PPI) aberto recentemente também pelo município de São Paulo por meio da Lei nº 17.557/21, e que traz a possibilidade de parcelamento de débitos tributários com desconto de até 85% dos juros de mora e até 75% das multas e honorários advocatícios.
Enquanto a transação leva em consideração peculiaridades dos contribuintes, para atender, na medida de suas capacidades contributivas, o aspecto da concessão mútua, o PPI concede o mesmo tratamento a todos os contribuintes, sejam eles bons ou ruins, mas permite a regularização dos débitos por curto período (adesões são permitidas até 29 de outubro de 2021).
Características comuns dos acordos
Tanto os Estados quanto os municípios, ao internalizarem a possibilidade de transação como meio de recuperar créditos tributários em curto prazo e reduzir o contencioso tributário, têm levado em consideração as informações obtidas dos processos ajuizados, os dados das bases regionalizadas, bem como os dados apresentados pelo contribuinte quando da formulação do acordo de transação.
Além disso, na maioria dos casos, as transações estão intimamente condicionadas a avalição da capacidade de pagamento e recuperabilidade do crédito tributário, levando em consideração o histórico fiscal dos contribuintes, sua saúde financeira, as concessões mútuas e a probabilidade de êxito das execuções já ajuizadas.
Ponto de atenção
O Código Tributário Nacional condicionou a adoção da transação à edição de leis de competência dos entes tributantes internalizando essa modalidade de extinção do crédito tributário e estabelecendo de forma mais objetiva seus critérios.
Ocorre que, por vezes, os entes estaduais e municipais podem criar leis mais genéricas sobre o tema que, ao serem regulamentadas, acabam sendo restringidas de forma ilegal.
Para mais informações sobre o tema, acompanhe a série especial Soluções alternativas de conflitos com o Fisco.