Mudanças normativas trazem segurança jurídica para mercado financeiro e de pagamentos
Agenda BC# implementou modernizações em leis que buscam tornar mais eficiente o sistema financeiro nacional; marcos regulatórios importantes devem sair em 2020
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Em 2019, os mercados financeiros e de pagamentos experimentaram mudanças normativas relevantes que buscam incentivar a inovação e estimular a competitividade, bem como trazer mais segurança jurídica às empresas que atuam nesses setores.
Os avanços foram capitaneados pelo Banco Central e estão relacionados às iniciativas divulgadas por meio da Agenda BC# – uma reformulação da agenda BC+, lançada em 2016. Muitas dessas iniciativas envolvem a reformulação e a modernização de leis e regulamentações existentes, ou a criação de novas, de forma a trazer mais eficiência ao sistema financeiro nacional, com inclusão e transparência.
A prática de Bancos e Serviços Financeiros reuniu clientes em São Paulo para explicar essas recentes mudanças normativas e as perspectivas para 2020 relacionadas a esses temas.
Confira abaixo os principais destaques:
Cadastro positivo
A Lei Complementar 166/2019, que trata do Cadastro Positivo e altera a lei vigente (Lei 12.414), foi sancionada pelo presidente da República no dia 9 de abril. O cadastro positivo permite que cada brasileiro tenha uma nota de crédito, definida de acordo com o pagamento de suas obrigações financeiras, como empréstimos bancários, cartão de crédito e serviços públicos de fornecimento de água, luz e telefone. A intenção é que a nota permita ao “bom pagador” melhores condições em operações de crédito, sejam elas financeiras ou de outra natureza.
O Cadastro Positivo existe desde 2011, mas a adesão dos consumidores era voluntária. Com a alteração implementada pela Lei Complementar 166/2019, a inclusão automática dos cadastrados passou a ser a regra geral.
“Como regra, pessoas físicas e jurídicas que possuírem dados relativos a operações de crédito e outras obrigações de pagamento serão cadastrados automaticamente”, afirma a advogada Ana Bahia. “Vale notar que quem não quiser ter suas informações incluídas no cadastro positivo poderá solicitar a exclusão a qualquer momento”, explica.
Em razão desta mudança, cerca de 110 milhões de pessoas serão inseridas no sistema, segundo cálculos do Banco Central.
Novo marco legal para o mercado de câmbio
Em outubro deste ano, o Congresso Nacional recepcionou o que veio a se tornar o Projeto de Lei 5.387/2019 (PL), que visa instituir um novo marco legal para o mercado de câmbio no Brasil. O PL foi encaminhado pelo próprio Banco Central ao poder executivo que, em sua justificativa, afirmou ter como objetivo a modernização, simplificação e maior eficiência do arcabouço regulatório buscando seu alinhamento às melhores práticas internacionais, além de favorecer a competição e a oferta de serviços no mercado de câmbio, com reduções de custos para o cliente.
Segundo o Banco Central, a atual regulamentação de câmbio é composta por mais de 40 instrumentos legais, com dispositivos vigentes desde 1920, e muitas vezes promulgados em um contexto de instabilidade cambial da moeda brasileira no qual a maior preocupação do regulador era manter um rígido mecanismo de controle sobre a entrada e saída de moeda no território nacional. Além disso, explica a advogada Sarah Rotta, a vasta regulamentação permite interpretações conflitantes quanto à aplicação das normas, o que traz insegurança jurídica para o setor, especialmente do ponto de vista do investimento estrangeiro.
O Banco Central acredita que o marco legal favorecerá a inserção da economia brasileira no mercado internacional e a livre movimentação de capitais de e para o país, além de trazer mais transparência e menos burocracia para as operações de câmbio.
O PL possui uma redação enxuta e concede amplos poderes regulatórios para o Banco Central, o que poderá gerar maior eficácia na constante atualização de regras de um mercado cada vez mais dinâmico. “Grande parte das consequências da eventual aprovação do PL virá com a posterior regulamentação infralegal do Banco Central”, afirma a sócia Larissa Arruy. “Não sabemos se virá uma consulta pública sobre estes próximos passos mas o Banco Central está disposto a ouvir os agentes do mercado”, complementa.
A expectativa é que o PL seja aprovado no primeiro semestre de 2020 e que o Banco Central comece a atualizar sua regulamentação até o final do próximo ano.
Ofertas públicas de ações
Neste ano, observamos um aumento das ofertas de bancos médios. O volume total de ofertas realizadas na B3 no ano de 2019 foi bastante expressivo, atingindo R$ 78 bilhões até novembro, dos quais 11,5 bilhões foram captados por instituições financeiras. Entre os fatores que colaboraram com o crescimento das ofertas das instituições financeiras, destacamos a sofisticação dos procedimentos operacionais da B3, viabilizando a liquidação das ofertas de através de diferentes estruturas e uma interação melhor com o Banco Central durante a oferta, favorecendo a discussão com o regulador e trazendo mais celeridade ao processo de homologação.
Para 2020 esse movimento deve continuar, também impulsionado pelo Decreto 10.029/19, que autoriza o Banco Central a reconhecer como de interesse do governo brasileiro o aumento do percentual de participação, no capital social da instituição financeira com sede no País, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior. Com essa alteração regulatória, o processo de autorização deverá ser mais célere. Embora em vigor, o Decreto menciona a regulamentação deste assunto pelo Conselho Monetário Nacional e pelo próprio Banco Central, o que segundo este deverá ocorrer no começo de 2020.
“Muitas das instituições financeiras, principalmente bancos médios, que foram a mercado em 2006 e 2007, quando tivemos explosão de ofertas, foram para uma listagem no nível 1, porque é o que permite a listagem de ações preferenciais sem direito a voto”, explica Larissa. Antes do Decreto 10.029/19, era necessário um decreto presidencial, que demorava meses para ocorrer.
“Foi muito positiva essa movimentação, que permitiu diminuir o prazo para autorização. Esse prazo reduzido é importante no contexto de mercado de capitais. Num contexto de oferta pública e ações, por exemplo, a empresa precisa aproveitar a janela de mercado, e o imponderável do decreto presidencial criava uma insegurança muito grande”, afirma a sócia.
Plataformas de registro e interoperabilidade
Ao receber a competência para estabelecer as condições de exercício das atividades de registro de ativos financeiros, o Banco Central ganhou a tarefa de repensar o sistema até então vigente, que vinha se mostrando eficaz na garantia de segurança das operações. É nesse contexto que, visando impedir a duplicidade de registro do mesmo ativo, o Banco Central emitiu a Circular nº 3.968/2019, disciplinando a exigência de interoperabilidade entre sistemas de registro que ofertam o registro de um mesmo tipo de ativo financeiro como condição para constituição de ônus e gravames sobre esses ativos.
O tema está relacionado aos administradores de sistemas informativos que tratam da coleta, manutenção e divulgação de informações de ativos financeiros e a melhora no ambiente das garantias, para viabilizar mais competitividade no mercado, é um elemento chave dentro do pilar de competitividade da agenda BC#.
“Todos que trabalharam com o registro de garantias em cartório sabem da dificuldade que era consultar informações: um processo inviável, dada a inexistência de comunicação entre os cartórios. Burocrático, moroso e custoso para as partes”, comenta a advogada Gabrielle Naumann. “Era necessário criar um mecanismo de registro e publicidade mais transparente, eficiente e efetivo. A interoperabilidade, assim, é essencial para a segurança jurídica das operações”, afirma.
O mecanismo de registro e publicidade começou a ser desenvolvido em 2017, com a extensão às registradoras da exclusividade na constituição de ônus e gravames sobre ativos financeiros lá registrados. A circular deriva da constatação de necessidade de aperfeiçoamento das regras desde então estabelecidas, deixando mais claro que o requisito da unicidade abrange, além da unicidade de informações de ativos financeiros dentro dos sistemas e ambientes individuais de cada entidade registradora, a unicidade entre todas as entidades registradoras autorizadas a operar com o mesmo ativo, por meio da interoperabilidade entre seus sistemas.
“O Banco Central foi muito sensível ao pleito dos agentes desse setor, de que o mecanismo que existia até então, principalmente no setor de garantias, era arcaico e pouco eficiente. Quando se tem mais segurança das suas garantias, com certeza de que esta não foi dada para um terceiro e de que seus recebíveis estão formalizados adequadamente, é possível realizar operações de crédito de forma mais eficiente. Ver esse desenvolvimento da infraestrutura é muito importante para o mercado também”, comenta Larissa.
Pagamentos instantâneos
Os pagamentos instantâneos são transferências de recursos nas quais a transmissão da mensagem de pagamento e a disponibilidade de fundos para o beneficiário final ocorre em tempo real, e cujos serviços estão disponíveis para os usuários durante 24 horas. A implementação do ecossistema de pagamentos instantâneos no Brasil está prevista para ocorrer até novembro de 2020.
A iniciativa tem potencial de preencher lacunas de modalidade de transferência bancária que conhecemos atualmente, como DOC, TED e TEF. “O objetivo é fazer com que os pagamentos em meios digitais sejam tão simples como o papel-moeda. A existência de interoperabilidade entre diferentes instituições financeiras possibilitará a integração dessas transações”, afirma a advogada Fabiana Manuera. O principal desafio em relação aos pagamentos instantâneos não é regulatório, é colocar de pé a infraestrutura para que isso aconteça. O Banco Central tem realizado discussões técnicas com os participantes do mercado, para entender como o fluxo de informações entre as instituições financeiras irá ocorrer e, assim, avaliar as necessidades para desenvolver a infraestrutura desse sistema de transações instantâneas.
Um dos principais pontos de atenção sobre o tema dos pagamentos instantâneos é em relação à responsabilidade na troca de informações. As regras operacionais e a estrutura de governança desse sistema de interoperabilidade serão definidos por um comitê consultivo permanente, composto por agentes do mercado e sob a coordenação do Banco Central.
Open Banking
Open banking é o compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio da abertura e integração de plataformas e infraestruturas de sistemas de informação, no intuito de incentivar a inovação, promover a concorrência, aumentar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e fomentar a inclusão financeira.
Em linha com as iniciativas internacionais de regulamentação do open banking, o Banco Central promoveu uma série de discussões com participantes do mercado de diferentes portes e perfis para identificar os principais desafios relacionados à definição do arcabouço normativo do Sistema Financeiro Aberto no Brasil, bem como analisou as respectivas propostas e sugestões, particularmente sobre questões relativas à divisão de custos entre participantes, à representatividade da estrutura de governança da autorregulação e à implementação e adaptação de sistemas, programas e infraestruturas tecnológicas.
“Embora existam interesses divergentes sobre alguns temas, o Banco Central reconhece os impactos positivos que o open banking pode ter para a modernização, eficiência, inclusão e competitividade do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro, beneficiando, inclusive, um número expressivo de brasileiros atualmente desbancarizados”, comenta a advogada Luciana Kanarek.
Sandbox regulatório
Neste ano, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) iniciaram consulta e audiência públicas sobre seus sandboxes regulatórios. O sandbox é um ambiente regulatório diferenciado, com o objetivo de promover inovação, enquanto resguarda a segurança, a higidez e eficiência do sistema financeiro e/ou o mercado de valores mobiliários, conforme o caso.
O modelo flexibiliza a regulação aplicável aos projetos aprovados por um período de tempo limitado, a fim de permitir que empresas testem produtos e serviços inovadores. “O sandbox nasceu como uma resposta aos desafios associados a produtos e serviços que se baseiam em técnicas e infraestruturas inovadoras, diminuindo os entraves regulatórios e garantindo maior visibilidade e melhor compreensão ao regulador sobre a inovação proposta”, lembra o advogado Luis Al-Contar.
O Banco Central iniciou em novembro consulta pública sobre seu sandbox regulatório, que permanece aberta até 31 de janeiro de 2020. A audiência pública da CVM se encerrou em 27 de setembro deste ano.