As receitas financeiras e os tratamentos de conta CVA
Majoração das alíquotas incidentes sobre receitas financeiras e as variações monetárias incidente sobre CVA são alvo de debates
Assuntos
O art. 9º da Lei nº 9.718/98 determina que são consideradas receitas financeiras, para efeitos da legislação do IRPJ, da CSLL, do PIS e a COFINS, as variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual.
Em 2004, com a edição do Decreto nº 5.164, o Poder Executivo reduziu a zero as alíquotas de PIS e COFINS incidentes as referidas receitas. Tendo essa regra prevalecido até 2015, quando então o Poder Executivo majorou as alíquotas de PIS e COFINS sobre receitas financeiras para 0,65% e 4%, respectivamente, mantendo a alíquota zero apenas para as receitas financeiras decorrentes de variação cambial e de hedge operacional.
Diante disso, os contribuintes recorreram ao Poder Judiciário, alegando que a majoração das alíquotas é ilegal e inconstitucional, na medida em que viola o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), e o art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN).
Além disso, os contribuintes alegam que a majoração é ilegítima não apenas pelo prisma legal (artigo 27, caput e parágrafo 2º da Lei nº 10.865/2004), como também à luz do princípio da não-cumulatividade das referidas contribuições (artigo 195, parágrafo 12 da CF/88), uma vez que não prevê a contrapartida do respectivo direito de crédito sobre as despesas financeiras.
Apesar disso, a jurisprudência majoritária dos Tribunais Regionais Federais e da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que a majoração instituída pelo Decreto nº 8.426/2015 não seria ilegal, pois representaria mero reestabelecimento de alíquotas.
Não obstante, esse entendimento não é definitivo, tendo em vista que as alegações de inconstitucionalidade ainda serão analisadas pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário 1.043.313, que será julgado segundo a sistemática da repercussão geral.
Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da Parcela A – CVA
Nos termos do art. 1º da Portaria Interministerial nº 25/02, a CVA foi criada com o objetivo de registrar as variações, ocorridas no período entre reajustes tarifários, dos valores determinados itens de custo da “Parcela A”, de que tratam os contratos de concessão de distribuição de energia elétrica.
A denominada Parcela A nada mais é do que a parcela da tarifa composta por custos que não estão sob o controle da distribuidora. Assim, tendo em vista que esses custos podem variar sem a ingerência da distribuidora e que a tarifa somente é reajustada anualmente, foi instituída a CVA para registro das variações entre o valor estimado dos custos não gerenciáveis e o efetivamente incorrido no período compreendido entre os reajustes tarifários.
Desta forma, a fim de garantir o equilíbrio econômico financeiro dos contratos de concessão, ao final de 12 meses, a ANEEL autoriza que o saldo da CVA seja compensado no reajuste da tarifa de fornecimento de energia elétrica do período subsequente.
Tratamento contábil da CVA
Atualmente, os saldos de CVA são registrados pelas distribuidoras como ativos e/ou passivos financeiros, tendo como contrapartida no resultado o registro da respectiva receita ou despesa.
Desta forma, se o saldo da CVA for positivo (o custo efetivo for superior ao estimado), por exemplo, registra-se um ativo financeiro e uma receita no resultado. Já se a CVA for negativa (custo efetivo inferior ao estimado), registra-se um passivo financeiro e uma despesa no resultado, equilibrando-se a receita ou despesa de custo estimado registrada a maior.
Tratamento fiscal da CVA e possibilidade de segregação das receitas auferidas
Em 2016, por meio da Solução de Consulta COSIT (SC COSIT) nº 101/16, a Receita Federal (RFB) se manifestou pela primeira vez a respeito do tratamento fiscal dos registros de CVA, no sentido de que as receitas reconhecidas no resultado em contrapartida aos valores registrados na conta CVA integram a base do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Em seguida, em 2017, foram emitidas as SC COSIT nº 99.015/17 e 99.017/17, vinculadas à SC COSIT nº 101/16, que mantiveram esse entendimento.
As Soluções de Consulta acima mencionadas esclareceram que, no entendimento da RFB, os valores de CVA serão oferecidos à tributação no momento do seu registro contábil, com base no regime de competência. Quanto ao seu recebimento efetivo, quando do reajuste tarifário no ano seguinte, não deverá gerar impacto no resultado, devendo ser registrado como “amortização do ativo regulatório”, de forma que não será objeto de nova tributação.
Vale ressaltar que, se as receitas registradas na conta de CVA, correspondentes à diferença custo estimado e efetivo, são consideradas líquidas e certas para fins de oferecimento à tributação, devem ser igualmente consideradas líquidas e certas as despesas referes ao custo estimado.
Além disso, considerando que as variações dos custos não gerenciáveis apenas são repassadas na tarifa do ano seguinte, as distribuidoras contabilizam as variações monetárias incidentes sobre o saldo verificado na conta CVA. E da mesma forma, a SC COSIT nº 101/16 afirma que as suas variações monetárias deverão ser oferecidas à tributação observando-se o regime de competência.
No entendimento da RFB, a receita referente à variação monetária incidente sobre o saldo da CVA ostenta natureza de receita financeira. Esse entendimento se coaduna com a legislação, na medida em que, como já mencionado, o art. 9º da Lei nº 9.718/98 define as variações monetárias dos direitos de créditos e das obrigações como “receitas financeiras”.
A esse respeito, o parágrafo 1º do artigo 3º da Portaria Interministerial nº 25/02 determina que o saldo da CVA não compensado será remunerado pela Taxa SELIC, que é a taxa básica de juros do país.
Tendo isto em vista, compreende-se que a parcela da tarifa que corresponde à variação monetária incidente sobre o saldo verificado na conta CVA pode ser classificada como receita financeira, pois não decorre exclusivamente da operação de distribuição de energia, mas sim, de variações monetárias, na medida em que se trata de juros.
Neste sentido, o Manual de Contabilidade do Setor Elétrico da ANEEL, em seu item 7.2.22, dispõe que os juros registrados em função de ativos financeiros, como é o caso da CVA, terão como contrapartida conta de “Receitas Financeiras”.
Sendo assim, para fins tributários, a parcela da tarifa que corresponde às variações monetárias incidentes sobre o saldo verificado na conta CVA pode ser considerada receita financeira e tributada pelo PIS e pela COFINS às alíquotas de 0,65% e 4% previstas no Decreto nº 8.426/15.
No entanto, o mesmo raciocínio não pode ser aplicado à CVA. Isto porque, a CVA nada mais é do que uma ferramenta de ressarcimento do custo vinculado à atividade de distribuição, ou conforme conceito previsto na Solução de Consulta COSIT nº 101/2016, uma nova receita auferida com a consecução de seu objeto social.
Portanto, ao contrário dos juros, a CVA está vinculada à atividade principal das distribuidoras de energia elétrica, sendo, portanto, receita operacional, sujeita às alíquotas ordinárias de PIS e COFINS.
Para mais informações sobre tributação do setor elétrico nos dias atuais, acompanhe a série especial do Mattos Filho.