Mercado brasileiro de capitais e ofertas de ações: balanço recente e perspectivas para 2022
Apesar das incertezas políticas e econômicas, e do impacto da Covid-19, as ofertas de ações têm ganhado tração desde 2019
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Durante o segundo ano em que os impactos da pandemia da Covid-19 foram sentidos nas economias mundial e local, as ofertas públicas de ações continuaram a representar parcela expressiva das operações de mercado de capitais brasileiro, oferecendo relevante alternativa de funding para empresas de diversos portes e setores.
Atualmente, muitas companhias já são constituídas e têm seu planejamento estratégico estruturado projetando a necessidade de capital de terceiros para crescer. Nesse contexto, as ofertas públicas iniciais (IPOs) representam uma forma de captação de recursos que permite tanto o crescimento orgânico, com a expansão de suas atividades e o desenvolvimento de soluções adicionais para seus clientes ou no incremento de seu portfólio de produtos, quanto o crescimento inorgânico, com a concretização de operações de M&A destinadas, por exemplo, à consolidação do mercado ou à agregação de negócios complementares aos já desenvolvidos pela empresa.
Apesar das incertezas políticas e econômicas e da volatilidade, as ofertas de ações de companhias brasileiras têm ganhado tração principalmente desde o segundo semestre de 2019, quando foi aberta uma janela de mercado com um grau de aquecimento comparável à histórica janela de 2006 e 2007, que movimentara aproximadamente R$100 bilhões, frente aos aproximados R$250 bilhões apurados entre 2020 e 2021, entre IPOs e ofertas subsequentes (follow-ons).
A grande diferença de 2020 em comparação a 2021 foi o impacto inicial da pandemia da Covid-19, que paralisou o mercado de ofertas públicas de ações por aproximadamente três meses, sem que nenhum IPO fosse precificado. No entanto, passada essa fase, desde meados de 2020, o ritmo desse mercado passou por uma aceleração significativa, a despeito das alterações (e talvez até por conta delas) na dinâmica de tais ofertas decorrentes do distanciamento social – tendo, por exemplo, as reuniões de roadshow e outras passado a ser realizadas virtualmente.
Como se explica essa corrida das empresas à abertura de capital? Além da taxa de juros que chegou às mínimas históricas e da consequente migração dos investimentos de renda fixa para a renda variável, notou-se grande liquidez entre os investidores – pessoas jurídicas e físicas – e o fato de investimentos no Brasil terem ficado baratos para estrangeiros, com a desvalorização da nossa moeda frente ao dólar. Ainda, a volatilidade decorrente da pandemia da Covid-19 afetou o apetite por investimento de maior risco, tornando o mercado de bolsa uma alternativa atraente para investidores que buscam diversificar suas carteiras com certo grau de risco.
Balanço de 2021
Após o impacto inicial dos efeitos da pandemia e das alterações no modus operandi das ofertas públicas de ações vivenciado em 2020, o ano de 2021 no mercado acionário brasileiro teve início com os motores a todo vapor, diante do baixo patamar da taxa de juros, da liquidez e apetite por renda variável dos investidores institucionais e de varejo, bem como das perspectivas favoráveis de reformas legislativas e regulatórias. O Ibovespa, principal indicador de desempenho das ações negociadas na B3, começou o ano de 2021 com 119 mil pontos e superou a marca histórica dos 130 mil pontos no início de junho.
A participação do varejo em geral, particularmente de pessoas físicas, tem ganhado cada vez mais relevância nas ofertas de ações recentes, especialmente quando comparadas ao ciclo de ofertas de 2006 e 2007. Tais investidores desempenham uma função importante na dinâmica do mercado de capitais, ao conferir mais liquidez e giro ao papel, inclusive no acesso ao mercado secundário.
As companhias que buscaram acessar o mercado de capitais brasileiro por meio de ofertas de ações em 2021 foram de setores e tamanhos variados, com destaque para saúde, telecomunicações, educação, varejo, commodities e recursos naturais. Algumas dessas começaram a se preparar para a abertura de capital em anos anteriores, outras iniciaram os trabalhos de preparação em 2021, ao observarem a atraente janela de mercado. Notou-se, portanto, a presença de empresas em diversos estágios de preparação para a realização de suas ofertas públicas iniciais na B3. Dentre as empresas que entraram em fase de crescimento acelerado nos últimos anos e cujo planejamento estratégico passou a incluir a preparação para um IPO, boa parte conta com algum componente de tecnologia em seu business.
Quando se abre uma janela de mercado para ofertas de ações, as companhias que já estavam em fase de preparação costumam encontrar condições ideais para dar esse passo, enquanto as demais precisam correr contra o tempo para aproveitar a oportunidade. Como pode ser visto no material sobre como executar um IPO, o importante processo de abertura de capital no ciclo de vida de uma empresa envolve uma série de etapas e frentes de trabalho e precisa ser acompanhado por bons controles internos, um robusto time de contabilidade e grande controle com relação à informação sobre o preço por ação.
O cenário de mercado estava bastante aquecido e, até o primeiro semestre de 2021, se acreditava que seguiria até o primeiro trimestre de 2022, levando a quantidade de IPOs de 2021 a se aproximar ou ultrapassar o recorde de 2007. Essa perspectiva predominou durante a primeira metade de 2021 ainda que, a partir do segundo trimestre de 2021, algumas ofertas tenham sido reestruturadas e flexibilizadas em termos de precificação para que fossem concluídas e outras ofertas, nas quais havia flexibilidade de cronograma e que originalmente foram planejadas para serem precificadas em 2021, foram postergadas no aguardo de um momento mais propício.
No entanto, a combinação da alta da inflação e do desemprego, da expectativa de aumento da taxa Selic para dois dígitos em 2022, bem como as agravadas incertezas em relação aos panoramas econômico, fiscal e eleitoral, impulsionou uma onda de desistências e interrupções de ofertas de ações que estavam em curso ou projetadas para acontecer entre o final de 2021 e o começo de 2022. Essa mudança de cenário a partir de setembro de 2021 representou um desfecho relativamente calmo para um ano aquecido no mercado de ações brasileiro, em que recordes foram superados com a movimentação de aproximadamente R$130 bilhões de reais entre IPOs e follow-ons. Não obstante, 2021 se encerrou como o ano com a maior movimentação de recursos em IPOs realizados no Brasil até hoje, com aproximadamente R$ 65 bilhões divididos entre 46 companhias que estrearam na B3.
Dentre as companhias que concretizaram seus IPOs entre 2020 e 2021, parte conta atualmente com papéis valendo menos do que na estreia, sendo esse desempenho atribuído não apenas à mudança de cenário do mercado, mas também à percepção do investidor de que essas empresas podem estar apresentando dinâmica diferente do esperado quando entrou no papel durante os respectivos IPOs, ainda que seus resultados fossem robustos e significativos naquele momento.
Busca por listagem nos Estados Unidos
Considerando os desafios do mercado acionário brasileiro, especialmente na conjuntura atual, observou-se também um movimento, por companhias brasileiras, de busca pela listagem nas bolsas dos Estados Unidos, mercado muito mais maduro que o brasileiro, especialmente por aquelas que tenham receitas apuradas em dólares, que já atuem, ou não, fora do Brasil, e que tenham aspirações de ampliar sua atuação global. Além disso, recentemente tem-se notado maior procura por listagem nos Estados Unidos por companhias brasileiras com business voltados para tecnologia – em especial softwares e serviços digitais – e dos setores de educação e finanças (fintechs).
Em relação ao mercado brasileiro, as bolsas americanas oferecem, em geral, múltiplos mais altos, maior liquidez, acesso a investidores estratégicos que eventualmente não investem na América Latina, menos sujeição ao ambiente político e econômico brasileiro e padrão mais rígido de governança, o que contribui para conquistar a confiança dos investidores. Ainda, a facilidade de captação em dólares americanos e a construção de valuations também em dólares americanos pode trazer benefícios à companhia listada nos Estados Unidos, especialmente em momentos de instabilidade política e econômica. Por outro lado, a listagem nos EUA traz desafios para as companhias, dentre os quais destacamos a concorrência mais acirrada de outras empresas (do mesmo setor e de outros):
- A volatilidade decorrente da facilidade com que os investidores podem se desfazer dos papeis;
- Custos mais elevados em relação aos brasileiros, complexidade operacional para adaptação estrutural da empresa ao mercado americano – incluindo normais rígidas de controles internos;
- Maiores riscos de responsabilização e severidade de penalidades no contexto do sistema penal americano.
Perspectivas para 2022
A despeito de 2021 ter sido um ótimo ano para o mercado de capitais brasileiro, inclusive com a superação do volume de ofertas de ações realizadas no ano anterior, o cenário atual e as perspectivas para 2022 são impactados, sobretudo, pela antecipação do movimento que era esperado para ocorrer somente então, em decorrência das eleições. De fato, no último trimestre de 2021 observou-se tensões políticas, mudança no teto de gastos, inflação e subida dos juros que, em conjunto com o caso Evergrande na China e o excesso de liquidez no mundo todo decorrente das medidas para combater os efeitos econômicos da pandemia, têm inibido novas operações de ações no mercado.
Nesse contexto, os investidores têm demonstrado comportamento mais seletivo, analisando com atenção as companhias que já estão listadas e cujas ações estão com preços descontados. Em cenários de alta volatilidade, nos quais os preços dos papéis de empresas já listadas estão atrativos, é difícil para uma companhia estreante alcançar uma precificação que considere interessante ou que possa se aproximar do previsto antes da alteração das condições desse final de ano. Além disso, especialmente para empresas de setores não tradicionalmente presentes na bolsa, existe um desafio adicional para que os investidores e analistas possam avaliar e se familiarizar com os novos businesses.
A expectativa quanto a alterações de temas importantes, em especial quanto à reforma tributária e ao desenrolar do processo eleitoral, tornam as movimentações de captação de recursos no mercado acionário mais cautelosas. Quando diminuir a incerteza em relação às alternativas, espera-se que haverá redução de volatilidade, mas este é um período que deve perdurar, pelo menos, até as eleições.
Principalmente por conta do cenário político-econômico mencionado acima, bem como pelo comportamento esperado dos investidores, a expectativa para 2022 é de que o volume de operações lançadas e precificadas seja menor. A janela de mercado sempre estará aberta para bons ativos, mas o preço e as estruturas das ofertas precisam ser adaptados às realidades de cada momento
Também se estima uma predominância das operações no mercado local que tenham volume financeiro expressivo, sobretudo follow-ons, – cujas teses sejam atrativas ao ponto de serem menos impactadas pelo cenário macro – e de ofertas realizadas no exterior pelas companhias brasileiras que optaram por listar suas ações nas bolsas de valores americanas, em linha com as vantagens mencionadas acima. Após o período eleitoral, a expectativa é de volta da estabilidade no volume de negócios em um patamar que pode até ser mais alto do que vimos nos últimos dois anos, em função do cenário que se consolidar após as eleições presidenciais e legislativas.
Quanto às empresas que optaram por adiar seus processos de abertura de capital ou de realização de follow-ons em 2021, acredita-se que essas devem retomar os planos de estruturação de ofertas no primeiro semestre de 2022, sendo este primeiro trimestre um termômetro para o restante do ano. Para essas companhias, o período de pausa pode ser usado para aprimorar a preparação, revisitando estratégias e abordagens para as apresentações junto aos investidores, posicionamentos estratégicos, construção de planos de incentivo para os executivos e eventuais reorganizações societárias, bem como para reforçar a preparação dos fluxos internos para vivenciar o dia a dia de companhia de capital aberto. Uma forma interessante de se preparar pode ser a realização de operações de ofertas públicas no mercado de dívidas, por exemplo com emissões de debêntures, que também envolvem a necessidade de manutenção de balanços auditados e o contato com investidores por meio de reuniões de roadshow.
Uma das apostas para o panorama do mercado acionário brasileiro em 2022 são as ofertas com esforços restritos de colocação, que atualmente são reguladas pela Instrução da CVM nº 476 e que prescindem de registro perante a CVM. Esse regime de ofertas permite um acesso mais ágil ao mercado de capitais de ações e, especialmente para a parcela de empresas que iniciou o processo de abertura de capital em 2021 e optou por adiar o lançamento ou a precificação de suas respectivas ofertas, as ofertas 476 podem oferecer uma forma de captação de recursos mais atraente e condizente com as incertezas que ainda protagonizam a economia local.
Por fim, outro tema a ser observado com atenção é a reforma da regulação das ofertas públicas e de determinados aspectos dos patamares de ações em circulação de empresas listadas na B3. Após anos de debate e diante das audiências públicas realizadas ao longo de 2021, a CVM e a B3 estão analisando os comentários enviados pelos diversos participantes do mercado e, quando forem anunciados os resultados, as reformas trarão muitas e importantes alterações à dinâmica e estrutura das ofertas de ações. Espera-se que tais mudanças permitam um acesso mais ágil e duradouro ao mercado de capitais brasileiro, o que tem impacto importante na economia, seja de modo direto, pela maior injeção de recursos, seja de modo indireto, por representar meio de redução do desemprego e aumento da arrecadação estatal.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Mercado de capitais do Mattos Filho.