Litigância como apelo para combate à emergência climática
Organizações da sociedade civil buscam a responsabilização e ações por parte de governos e empresas privadas
Seguindo a crescente tendência observada em 2020 e 2021, o início de 2022 foi marcado por relevantes desdobramentos no âmbito da litigância climática internacional, por meio dos quais organizações da sociedade civil buscaram a adoção de medidas climáticas relevantes por parte de governos e empresas privadas.
Política climática adotada pelo Reino Unido é alvo de críticas
Na segunda semana de janeiro de 2022, as organizações da sociedade civil Friends of the Earth e ClientEarth ajuizaram duas ações judiciais independentes em face do governo do Reino Unido, sob o argumento de que os planos adotados em outubro de 2021 para descarbonizar a economia nas próximas décadas não seriam suficientes para combater as mudanças do clima.
Os peticionários alegam que as metas adotadas na política climática do país não incluem medidas necessárias e se baseiam em tecnologias não comprovadas, como combustíveis de aviação com zero carbono e extração de dióxido de carbono diretamente do ar.
O questionamento de políticas climáticas é uma tendência crescente nos litígios climáticos, tendo ganhado força em 2015 quando, no caso Fundação Urgenda e Governo da Holanda, o Tribunal Distrital holandês determinou que o governo deveria reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 25% em relação aos níveis de 1990 ao longo dos próximos cinco anos.
Concessão de petróleo do Golfo do México é invalidada nos EUA
Nos Estados Unidos, o juiz federal Rudolph Contretas invalidou, em 27 de janeiro de 2022, os resultados do arrendamento de petróleo e gás no Golfo do México, o qual ofereceu cerca de 80 milhões de acres offshore em um leilão ocorrido em novembro de 2021, gerando a movimentação de mais de 190 milhões de dólares.
O litígio foi ajuizado no Tribunal Distrital de Columbia pelo grupo Earthjustice, sob as legações de que o governo estadunidense não teria considerado com precisão as emissões de gases de efeito estufa geradas com a exploração da atividade, uma vez que o consumo estrangeiro não teria sido incluído na análise dos impactos climáticos da venda.
A decisão proferida entendeu que, além de haver uma falha na quantificação dos impactos climáticos gerados pelo leilão, o governo Biden estaria ignorando os levantamentos científicos mais recentes sobre o papel da indústria de óleo e gás na crise climática.
Organização holandesa notifica empresas multinacionais a apresentar planos de redução de emissões
A organização holandesa Milieudefensie (Friends of the Earth Netherlands) notificou 30 empresas a apresentar, até 15 de abril de 2022, um plano para redução de emissões em 45% até 2030 comparados aos níveis de 2019, incluindo emissões dos escopos 1, 2 e 3. Ainda, a organização, autora da ação climática que resultou na condenação da Shell à redução de suas emissões de gases de efeito estufa em 45%, seguindo as mesmas diretrizes, deixou em aberto a possibilidade de ajuizamento de novas ações em face das empresas notificadas que não apresentarem referido plano.
Nos termos da carta enviada, o pleito foi direcionado a multinacionais com atuação na Holanda que possuem um valor substancial de emissões. A organização indica que a decisão proferida em caso paradigmático implica que toda companhia de grande porte possui a obrigação de reduzir suas emissões por conta do imperativo global resultante do Acordo de Paris.
No Brasil, CNJ inclui Mudanças Climáticas na classificação das Tabelas Processuais Unificadas
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) atualizou as Tabelas Processuais Unificadas (TPUs), que passam a ter um código específico para ações relacionadas a mudanças climáticas. As TPUs foram criadas com o objetivo de atingir a uniformização da informação, facilitar a recuperação de informações por órgãos supervisores, melhorar a prevenção e distribuição processual de acordo com a matéria, entre outras medidas.
O assunto “Mudança Climática” (código 15.008) foi incluído em dezembro de 2021, com identificação para todos os segmentos da justiça. Alguns órgãos judiciais já implementaram a possibilidade de busca de jurisprudência com base em tal classificação específica, a exemplo dos tribunais de justiça dos estados de Minas Gerais, Amazonas e Mato Groso do Sul.
Para mais informações, conheça os conteúdos elaborados pela prática de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas do Mattos Filho:
- Saiba quais os principais eventos sobre mudanças climáticas em 2022
- Crescimento do hidrogênio traz oportunidades em âmbito global
- Mercado de carbono em pauta no cenário nacional
- Pauta climática é prioritária nas negociações para entrada do Brasil na OCDE
*Com colaboração de Anna Gandolfi, Maria Eduarda Garambone, Gabriel Pereira Bispo de Oliveira, Bernardo Andreiuolo e Mariana Diel.