Direito de precedência aceito pelo INPI em processo administrativo de nulidade
Parecer altera o entendimento adotado pela autarquia, que somente permitia a arguição do direito antes da concessão do registro
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) publicou, em novembro de 2021, por meio da Revista de Propriedade Intelectual (RPI) de n° 2652, o Parecer nº 00043/2021/CGPI/PFE-INPI/PGF/AGU, que dispõe sobre a possibilidade de arguição de direito de precedência em sede de processo administrativo de nulidade (PAN).
O parecer altera entendimento anterior do INPI, já que,até então, o direito de precedência apenas poderia ser reconhecido quando alegado antes da concessão do registro da marca, durante o período legal para apresentação de oposição administrativa.
Entenda o direito de precedência
O direito de precedência está disposto no art. 129, §1° da Lei de Propriedade Industrial (LPI), que versa que “toda pessoa que, de boa-fé, na data da prioridade ou depósito, usava no país, há pelo menos seis meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro”.
Tal direito é uma exceção à regra do caput do mesmo artigo da LPI, que estabelece para o território brasileiro o sistema atributivo para a obtenção do direito de uso exclusivo sobre a marca. Ou seja, por força do caput do art. 129, a titularidade e direitos daí decorrentes cabem àquele que primeiro obtiver a concessão do registro da marca perante o INPI, não sendo suficiente o uso.
Dessa forma, o legislador, prezando pela lealdade das relações concorrenciais, entendeu por bem conferir ao titular de marca ainda não registrada certas ferramentas para reprimir eventuais atos de concorrência desleal. O direito de precedência, assim, é um dos meios pelo qual o titular de uma marca ainda não registrada pode impedir que um terceiro a registre.
Para exercício de tal direito, deve o interessado atentar-se aos requisitos estabelecidos no supracitado §1°, vez que, tratando-se de exceção legal, o simples uso anterior não garante ao titular a preferência do depósito. Cabe ao usuário comprovar, de boa-fé, o uso da marca – idêntica ou semelhante e referente a serviço ou produto idêntico, semelhante ou afim – por pelo menos seis meses antes do pedido de registro de terceiro.
Entendimento anterior ao parecer
O entendimento adotado pelo INPI antes da publicação do parecer era o de que o direito de precedência só poderia ser arguido, caso preenchidos os pressupostos legais acima mencionados, até a concessão do registro da marca, na primeira oportunidade de manifestação de terceiros – ou seja, até o encerramento do prazo de oposição, de modo que restava impedida sua utilização em sede de PAN.
Esse entendimento era reforçado pela jurisprudência, por doutrinadores e mesmo pelo manual de marcas do INPI, que, em seu item 5.12.6., definia que para reivindicar o direito de precedência ao registro, a fundamentação da reivindicação deveria pautar-se “exclusivamente em sede de oposição ao pedido de registro formulado por terceiros, instruindo-a de provas suficientes para caracterizar o uso no país”.
Como ilustrado pelo julgado do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, citado no próprio parecer para exemplificar o entendimento anterior, o que se defendia era o “direito de precedência ao registro, e não à marca em si” e que, por tratar-se de uma exceção ao princípio atributivo dos registros de marca, deveria ser interpretado de forma restritiva quanto ao momento da sua arguição.
Novo entendimento: nova via de acesso ao titular de direito de precedência
A partir dos recentes posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), houve a alteração no entendimento anteriormente adotado pelo INPI, para aceitar a possibilidade da arguição do direito de precedência também após a concessão do registro da marca, por meio de processo administrativo de nulidade.
Esse novo entendimento encontra guarida no inciso II do art. 5° da Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Dessa forma, considerando que não há disposição legal específica que determine o momento certo para arguição do direito de precedência, o entendimento da autarquia não pode estabelecer uma restrição ao direito do administrado, vez que não compete ao INPI fixar entendimentos não estabelecidos na legislação nacional.
Vale apontar, também, que o art. 168 da LPI não limita os argumentos para fundamentação da peça, de modo que quaisquer fundamentos possam ser invocados, inclusive o direito de precedência. Portanto, em razão do silêncio legal, pode o titular exercer o direito de precedência em qualquer fase da instância administrativa, ou mesmo pela via judiciária.
Nesse sentido, o titular de marca ainda não registrada que, cumprindo os pressupostos do art. 129, §1° da LPI, deseje assegurar seu direito de precedência, poderá agora utilizar de mais uma via de acesso, o que poderá proporcionar mais celeridade e menos custos aos interessados. Considerando-se que que há remédio administrativo específico para garantir o reconhecimento do direito de usuários – o processo administrativo de nulidade -, não deveria a autarquia apenas proceder com a anulação de registro de marca com base no direito de precedência apenas após ordem do Poder Judiciário.
O parecer do INPI conclui que o novo entendimento do INPI representa, em última análise, “um verdadeiro ato de cooperação entre os entes estatais, evitando que o Poder Judiciário seja chamado a manifestar-se inexoravelmente após a concessão do registro de marca, permitindo que a instância administrativa seja uma opção ao usuário”.
O presidente da autarquia, Claudio Vilar Furtado, atribuiu efeito normativo ao parecer, que alinha o posicionamento do INPI ao disposto na própria LPI e o entendimento jurisprudencial do STJ, que já entende, desde 2016, pela possibilidade de reconhecimento do direito de precedência mesmo após a concessão do registro de marca.
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*Com a colaboração de Júlia Leite Contri.