

Direito de imagem e representações no metaverso
O aprimoramento das ferramentas de interação virtual e o avanço da tecnologia já permitem a criação de avatares realistas com representações da própria imagem do usuário
Espaços de convivência imersiva e interativa possibilitam a usuários realizarem diversas atividades, a partir da criação de avatares para representá-los dentro do metaverso. Mas quais as implicações jurídicas acerca do direito da imagem no âmbito dessas representações?
Os avatares no metaverso
Atualmente, a tecnologia oferecida para que indivíduos criem e customizem avatares em ambientes virtuais imersivos já viabiliza resultados em que a representação de um indivíduo dentro destas plataformas é extremamente fiel às características físicas observadas no mundo real.
Além da variedade de formatos de rosto, cortes de cabelo, cores e formatos dos olhos, acessórios, entre diversas outras características, podemos esperar no futuro próximo uma variação em termos de voz, comportamentos e trejeitos, deixando essas representações ainda mais realistas.
Ressalvado o fato de que os tipos de interações que podem ocorrer em um metaverso não podem ser generalizados, focamos nossa atenção às possibilidades de criação de avatares representativos de indivíduos reais, desdobrando-se nas possibilidades do criador ser o próprio indivíduo retratado ou criador de avatar que tem por objetivo representar (e se passar por) terceiro.
Direito de imagem
Os direitos de imagem compõem o rol de direitos da personalidade, que têm como característica intrínseca sua relação com a condição humana, impondo uma série de prerrogativas que asseguram uma convivência digna, com liberdade e com igualdade, sem distinções, dentro de uma sociedade democrática de direito.
A relevância do direito de imagem é indiscutível, e por essa razão qualquer uso desautorizado que possa prejudicar direitos da personalidade de um indivíduo, assim como quando tenham finalidades comerciais, são comumente tratados de maneira mais rígida no nosso sistema jurídico.
Também vale esclarecer que tal direito está inserido no rol dos direitos fundamentais, garantido pela Constituição Federal de 1988. A honra e a imagem das pessoas são invioláveis e, caso contrário, o infrator está sujeito à indenização material ou moral.
Aqui, cumpre destacar que quando nos referimos à imagem, o conceito pode se estender à voz, bem como a outras características de forte presença que possam identificar e fazer associação à determinada pessoa (um exemplo é o caso da pose do raio de Usain Bolt, que já se desdobrou e se tornou objeto de pedido de marca nos Estados Unidos). Nesse sentido, o uso de imagem para a composição de avatares e exploração dentro do metaverso é necessariamente um tema sensível que merece a devida atenção.
O direito de imagem e os avatares: desafios jurídicos
Aumenta a importância do tema o fato de que, ao longo dos últimos anos, foram criados importantes ambientes virtuais de interação por meio de avatares e a expectativa, conforme indicado no início deste artigo, é que este tipo de interação fique cada vez mais comum e fácil de ser reproduzida.
Nesse sentido, embora o uso de avatares para interagir no mundo virtual não seja algo novo, o aprimoramento das ferramentas de interação virtual e o avanço da tecnologia já permitem a criação de avatares realistas com representações da própria imagem do usuário ou, ainda, de terceiros, desafiando a proteção desse direito tão caro no metaverso. Assim, nesse meio de grande exposição virtual, desperta a preocupação com a violação ao direito de imagem e suas consequências legais.
Isso porque há o risco de o usuário, ao criar um avatar com a imagem de terceiro, realizar uma série de atividades que podem prejudicar, por exemplo, a honra e a reputação do indivíduo, com reflexos que ultrapassam o mundo virtual, atingindo também o mundo real.
Quando os usuários interagem por meio de seus avatares, podem ocorrer violações que equivaleriam à violação de lei, caso ocorresse entre pessoas do mundo real. Desse modo, é preciso ter atenção ao uso de ferramentas de realidade virtual no momento de criação dos avatares.
Possível discussão a ser enfrentada se relaciona ao direito de um indivíduo de explorar economicamente a sua imagem, também chamado de right of publicity, consolidado no sistema da common law.
Tal direito impede o uso comercial não autorizado da imagem, do nome e de outros elementos intrínsecos que se relacionam à personalidade de alguém. Embora a legislação brasileira não contenha dispositivos específicos para regularem o right of publicity, nosso ordenamento jurídico também oferece meios para que esses direitos sejam resguardados.
No caso, o indivíduo que se sentir lesado com a violação de seu direito de imagem no metaverso, por meio da criação e uso de avatares, pode levar a questão ao judiciário – lembrando, ainda, ser cabível indenização pelo uso não autorizado da imagem, mesmo sem a efetiva comprovação de dano – além de outros órgãos reguladores, como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).
Sendo assim, ao criar avatares, os indivíduos devem ter em mente que o ambiente virtual que muitas vezes reproduz e se mistura com a realidade não é um salvo conduto para violação de direitos de terceiros e/ou para comportamentos que afetem terceiros de forma adversa. Danos à imagem e inclusive comportamentos que encontram correspondência na legislação criminal serão tratados com a importância devida dos temas e devem ensejar consequências aos responsáveis.
Para mais informações, acompanhe a série especial Propriedade Intelectual e Metaverso.
*Com colaboração de Ana Flávia Marques, Lorena de Freitas Pereira e Nathalia Fraifeld.