Agência Nacional de Mineração regulamenta processo administrativo sancionador
Resolução traz procedimentos para apuração de infrações, novas sanções e valores mais elevados de multas
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A Resolução ANM nº 122/2022, publicada no Diário Oficial da União em 1º de dezembro de 2022, regulamenta os procedimentos aplicáveis para apuração de infrações, sanções e valores de multas por não cumprimento da legislação do setor mineral. A resolução foi aprovada por unanimidade pela Diretoria Colegiada da ANM, em votação realizada na 24ª Reunião Extraordinária, no dia 28 de novembro de 2022.
A nova norma produz efeitos para atos ou fatos ocorridos após a entrada em vigor, que ocorreu no momento de sua publicação. No entanto, também se aplica, quanto às questões procedimentais, para os processos administrativos já em andamento.
Panorama da resolução
A resolução é fruto das inovações trazidas pela Lei nº 14.066, de 30 de setembro de 2020, a qual alterou dispositivos do Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967), especialmente para o estabelecimento de novas hipóteses de sanção e multas que podem alcançar R$ 1 bilhão conforme a gravidade da infração. Até tal alteração, as sanções pecuniárias previstas na legislação minerária eram muito brandas e, de fato, precisavam ser revistas.
Nessa seara, adveio o Decreto nº 10.965, de 11 de fevereiro de 2022, que alterou, entre outras previsões, o art. 52 do Regulamento ao Código de Mineração (Decreto nº 9.406, de 12 de junho de 2018) e previu que a Agência Nacional de Mineração deveria dispor sobre a aplicação das sanções e os valores das multas em resolução sobre a matéria. Ainda, o referido decreto estabeleceu que a agência deveria editar tal resolução em um prazo de cento e oitenta dias da sua publicação, período no qual a ANM trabalhou sobre a elaboração da norma.
Apesar dos esforços do regulador, o prazo inicialmente estabelecido não foi o suficiente e, em 15 de setembro de 2022, foi editado o Decreto nº 11.197 para reestabelecer a redação do regulamento ao Código de Mineração anterior ao Decreto nº 10.965/2022 e definir que as mudanças lá previstas deveriam entrar em vigor apenas em 30 de novembro de 2022.
Na prática, portanto, a ANM trabalhou na proposta de resolução desde fevereiro de 2022, muito embora tenha disponibilizado sua minuta para fins de participação social e contribuições apenas cerca de um mês antes de sua votação pela Diretoria Colegiada, suprimindo passos importantes do processo de elaboração da norma. Tal fato despertou críticas ao processo normativo como um todo, como será apresentado a seguir.
Conteúdo da Resolução
A Resolução ANM nº 122/2022 disciplina: as penalidades para as infrações relacionadas a atividades de mineração, por meio da organização em grupos de infrações por natureza e nível de gravidade; as medidas acautelatórias que poderão ser adotadas pelas autoridades competentes, tais como a interdição e a paralisação das operações quando identificadas situações de risco; e a apuração das infrações por meio de Processo Administrativo Sancionador (PAS), garantido o contraditório e a ampla defesa do regulado.
Além disso, traz parâmetros para o cálculo de multas, cujos valores mínimo e máximo são de R$ 2.000 (dois mil reais) e R$ 1.000.000.000 (um bilhão de reais), conforme previsão do Código de Mineração alterado em 2020.
A nova norma tratou de consolidar, no art. 6º, 12 tipos diferentes de penalidades para o descumprimento de obrigações previstas na legislação do setor mineral, sendo eles:
- Advertência;
- Multa;
- Caducidade do título;
- Nulidade ex officio de alvará de pesquisa;
- Cancelamento do título;
- Multa diária;
- Suspensão temporária, total ou parcial das atividades de mineração;
- Apreensão de minérios, bens e equipamentos;
- Embargo de obra ou atividade;
- Demolição de obra;
- Interdição;
- Sanção restritiva de direitos.
As referidas penalidades dependerão de PAS, instaurado pelas autoridades competentes da ANM, de ofício ou com base em representação ou comunicação recebida. A empresa envolvida (ou indivíduo) será intimada sobre todos os atos do PAS, especialmente sobre a lavratura de auto de infração, e terá assegurada a oportunidade de se defender.
A resolução estabelece o prazo de 20 dias contados da data de ciência da intimação ou decisão, conforme o caso, para apresentação de defesa ou recurso, respectivamente. O autuado poderá, no mesmo prazo, reconhecer o cometimento da infração e renunciar a seu direito de recorrer para ter a sanção pecuniária atenuada, caso em que a multa terá desconto de 60%.
Destaque: sanções pecuniárias
Confira abaixo algumas sanções pecuniárias para determinadas infrações consideradas relevantes:
A resolução ainda traz os múltiplos do fator gravidade utilizado no cálculo das multas, os quais se dividem em cinco níveis de gravidade para as infrações do Grupo II e cinco níveis de gravidade para as infrações dos Grupos III a VIII, de forma que quanto mais grave a infração cometida, maior a severidade da penalidade. A norma contém, ainda, um conjunto de anexos que buscaram consolidar as diversas infrações previstas em normativos do setor mineral, reunindo cerca de 1.200 previsões de infrações.
A sistemática de vincular o valor das multas a parâmetros genéricos – como o Valor do Orçamento Previsto para todas as áreas de pesquisa mineral de uma empresa, ou o Valor da Produção Mineral total de uma empresa – desperta dúvidas quanto à sua razoabilidade e proporcionalidade, sobretudo no caso de multas aplicáveis a condutas menos severas, como atrasos na apresentação de documentos ou no pagamento da taxa anual por hectare. Espera-se que tal sistemática seja revista pela agência no futuro próximo, para que se evite a aplicação de sanções desproporcionais e que, em última instância, podem afetar os investimentos em geral em pesquisa e lavra.
Processo regulatório
A Resolução ANM nº 122/2022 buscou unificar e definir com maior precisão as sanções aplicáveis a infrações ao que dispõe a legislação mineral. Nesse particular, deve ser reconhecido que uma norma com esse objetivo era necessária.
Porém, a resolução parece trazer muitas preocupações para as empresas que atuam ou investem no setor mineral. Ao adotar critérios subjetivos para aplicar sanções e ao prever multas que podem, em muitos casos, extrapolar o valor da própria obrigação que deveria ser cumprida, a agência pode dar ensejo a situações absolutamente desproporcionais e pouco razoáveis. Esses fatores poderiam ter sido considerados se o processo regulatório tivesse sido adequadamente observado.
O processo regulatório que resultou na resolução atraiu críticas severas por parte do setor, que podem fragilizar a própria norma. Muito embora houvesse praticamente um consenso de que os valores previstos das multas até então devessem ser revistos, as novas métricas para o cálculo de multas têm o potencial de gerar situações que fogem do razoável, com montantes totalmente desproporcionais à natureza da infração.
Essa situação tende a se agravar se consideradas as hipóteses de reincidência e agravantes. Tanto assim é que a própria resolução estabeleceu uma espécie de “período de adaptação”, em que as bases de cálculo das sanções cuja gravidade seja de nível quatro ou menor seriam reduzidas em 60% (sessenta por cento) até o dia 31 de maio de 2023, a fim de que as empresas atuantes no setor possam se adaptar às novas diretrizes sancionadoras. A resolução previu, ainda, a sua própria reavaliação pela Diretoria Colegiada até 1º de maio de 2024, o que, por si só, já demonstra que a norma assume um caráter de transitoriedade.
Além disso, a ANM não realizou uma análise de impacto regulatório (AIR), instrumento esse exigido pela Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019. A AIR, aliada à consulta pública efetiva, permitiria uma discussão adequada da norma, tendo em vista as diferentes possibilidades regulatórias para tratar do tema – diferentemente do que ocorreu na prática, em que houve apenas uma audiência pública, com poucos dias subsequentes para contribuições por interessados.
Se a criação da ANM buscou uma maior institucionalização do setor mineral, é importante que as etapas do processo regulatório sejam observadas, a fim de que normas adequadas e eficazes sejam concebidas como fruto de interlocução com o setor mineral e a sociedade em geral, evitando-se normas desproporcionais ou que não estejam conectadas com a dinâmica setorial.
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