Incidência da Súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça
A necessidade de intimação pessoal na aplicação de astreintes
Assuntos
Uma das questões com que os advogados comumente se deparam diz respeito às astreintes que podem ser fixadas para o cumprimento de uma determinada obrigação de fazer ou não fazer que seja determinada em juízo.
No universo de controvérsias que permeiam o tema, uma questão que ainda gera debates – embora não devesse – refere-se à aplicação da Súmula nº 410 do Superior Tribunal de Justiça, editada em 2009, que assim determina: “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.
A Súmula nº 410/STJ revela uma salutar sensibilidade aos impactos da fixação de astreintes contra o devedor. É que, sendo-lhe imposta uma obrigação de cunho pessoal, acrescida de multa em caso de descumprimento (muitas vezes computada diariamente), sua intimação pessoal é fundamental para evitar-se o cômputo das astreintes à sua revelia.
Não obstante, ainda hoje a higidez da Súmula nº 410/STJ suscita embates e, comumente, os Tribunais a afastam, desconsiderando posição já pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Histórico de discussões acerca da Súmula nº 410/STJ
A primeira grande discussão sobre a higidez da Súmula nº 410/STJ surgiu com a promulgação das Leis nº 11.232/2005 e nº 11.382/2006, que compuseram aquilo que se entende pela “terceira onda” de reformas então empregadas ao Código de Processo Civil de 1973.
A Lei nº 11.232/2005 unificou, àquela época, os processos de conhecimento e de execução, tornando este último mero desdobramento do primeiro, e acrescentou ao Código de Processo Civil de 1973 o artigo 475-J, cujo caput impunha multa de 10% ao devedor que não cumprisse voluntariamente a obrigação de pagar quantia certa. À época, firmou-se o entendimento de que, para incidência dessa multa, o devedor deveria ser intimado na pessoa de seu advogado, por publicação na imprensa oficial, para cumprir a obrigação de pagar quantia certa a que fora condenado, no prazo legal (REsp nº 940.274/MS).
A Lei nº 11.382/2006, por sua vez, dentre outras alterações, inseriu ao artigo 652 do Código de Processo Civil de 1973 o §4º, que dispunha que, nas execuções por quantia certa, para indicação de bens à penhora, o devedor seria intimado na pessoa de seu advogado, fazendo-se tal intimação pessoalmente somente se não possuísse advogado constituído.
Essas Leis conduziram ao entendimento de que, para o cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, necessária seria a intimação do devedor não de forma pessoal, mas por seu advogado. Esse entendimento passou a ser aplicado analogicamente também às obrigações de fazer e não fazer, sob o fundamento de não haver distinção entre o ato de pagar e o ato de fazer que justificasse diferenciação entre a forma de intimação da parte em um e outro caso. Passou-se a sustentar, então, que a multa cominatória seria exigível mesmo se o devedor fosse intimado na pessoa de seu advogado.
Como consequência, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento dos EAg nº 857.758/RS, de 23.02.2011, posicionou-se pela superação da Súmula nº 410/STJ e, a partir de então, parte da jurisprudência passou a entender que, salvo para as obrigações anteriores à Lei nº 11.232/2005, a intimação pessoal para cumprimento da obrigação de fazer teria se tornado desnecessária, iniciando-se o prazo para cumprimento, sob pena de multa cominatória, a partir do trânsito em julgado da sentença, ou da publicação do despacho “cumpra-se”, na hipótese de a sentença ter sido impugnada por recurso (vide, a esse respeito, o REsp nº 1.121.457/PR).
A controvérsia, no entanto, não foi definitivamente superada e, em 2013, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça revisitou o posicionamento firmado nos supracitados EAg nº 857.758/RS, por meio do julgamento do REsp nº 1.349.790/RJ. Nesse julgamento, firmou-se o posicionamento de que a Súmula nº 410/STJ, até porque posterior à Lei nº 11.232/2005, mantinha-se hígida e, portanto, a prévia intimação pessoal do devedor seria, ainda, condição necessária para a cobrança da multa cominatória pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer.
A discussão ganhou novo fôlego quando, publicado o Código de Processo Civil de 2015, seu artigo 513, §2º, inciso I passou a prever a intimação do devedor para o cumprimento de sentença mediante publicação no Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado, o que teria tornado o enunciado da Súmula nº 410/STJ superado.
A questão foi objeto de análise, dessa vez pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência em REsp nº 1.360.577/MG. E, então, firmou-se o entendimento de que “é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, antes e após a edição das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil”.
A partir desse julgamento, o Superior Tribunal de Justiça passou a reiterar a higidez da Súmula nº 410/STJ, mesmo após a vigência do Código de Processo Civil de 2015. Nesse sentido, é relevante notar que os Ministros Herman Benjamin e Nancy Andrighi, que votaram contrariamente ao posicionamento adotado pela Corte Especial no julgamento dos EREsp nº 1.360.577/MG, proferiram julgados posteriores curvando-se ao entendimento firmado pelo Colegiado (menciona-se, como exemplos, o REsp nº 1.798.900/SP e o AgInt no REsp nº 1.509.707/MG).
A Súmula nº 410/STJ na prática
O Superior Tribunal de Justiça, como se vê, pacificou o entendimento de que a Súmula nº 410/STJ não foi superada. No entanto, ainda há acórdãos recentes dos Tribunais Estaduais deixando de aplicá-la com base em fundamentos já superados e em prejuízo não apenas da necessária uniformização jurisprudencial, mas sobretudo do devedor, que se vê penalizado pela incidência de astreintes relativas a uma obrigação sem que sequer haja a certeza de que ele a conhece.
Em especial nas ações civis públicas, o respeito ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça é ainda mais relevante, pois os valores envolvidos tendem a ser mais elevados, as condutas questionadas mais expressivas, e, como consequência, os montantes fixados a título de multas cominatórias mais substanciais. O valor da multa cominatória, inclusive, pode atingir patamares muito superiores ao próprio valor econômico envolvido na ação.
Desse modo, se o devedor não tiver sido intimado pessoalmente para o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer imposta por decisão judicial, não lhe podem ser cobradas astreintes. A Súmula nº 410/STJ permanece hígida e deve sempre ser considerada nos casos em que tiverem sido estabelecidas obrigações de fazer ou não fazer sob pena de incidência de astreintes, tendo-se em vista o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça e a necessidade de que haja efetiva observância do artigo 926 do Código de Processo Civil de 2015, pelo qual os Tribunais devem manter a jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente.