Marco legal da securitização: saiba os impactos para o setor de seguros
Lei cria Letras de Risco de Seguro (LRSs) para financiamento e transferência de riscos de seguros e resseguros a investidores do mercado de capitais
Foi publicada a Lei nº 14.430, em 3 de agosto de 2022, que cria as Letras de Risco de Seguro (LRSs) a serem emitidas por Sociedades Seguradoras de Propósito Específico (SSPEs) para financiamento e transferência de riscos de seguros e resseguros a investidores do mercado de capitais.
A Lei nº 14.430/2022 teve origem na Medida Provisória (MP) nº 1.103, de 15 de março de 2022, e consolidará uma relevante inovação no mercado de seguros e de resseguros brasileiro ao instituir o marco legal de um título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado especificamente a riscos de seguros e resseguros, após a criação infralegal dos instrumentos ligados a seguro pela Resolução CNSP nº 396, de 11 de dezembro de 2020.
Os títulos de crédito vinculados a riscos de seguros e resseguros já movimentam bilhões no mercado internacional e permitirão que parcelas desses recursos possam ser direcionadas ao Brasil (agora, com maior segurança jurídica e conforto a investidores e cedentes), gerando mais capacidade para o mercado de (res)seguro nacional.
Com a lei, nasce, também, mais um importante mecanismo de financiamento para os mais diversos setores da economia.
O que são SSPEs
As SSPEs são as sociedades seguradoras com finalidade exclusiva de realizar operações de aceitação de riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro e retrocessão, originadas por contrapartes do mercado de (res)seguros, mediante emissão de LRSs para financiar referidas operações no âmbito do mercado de capitais.
Os recursos captados pelas SSPEs, em conjunto com o prêmio recebido, deverão corresponder, no mínimo, ao valor total da perda máxima possível dos riscos de seguros e resseguros vinculados às LRSs, incluindo outras despesas das SSPEs, devendo tais ativos ser utilizados exclusivamente para a cobertura desses riscos.
Entre as contrapartes que poderão ceder riscos às SSPEs, estão seguradoras, resseguradoras, entidades de previdência complementar, operadoras de saúde suplementar, entre outras, podendo inclusive estar sediadas fora do Brasil.
De acordo com a Lei nº 14.430/2022, as SSPEs não responderão diretamente perante o segurado, participante, beneficiário ou assistido quando tais contrapartes forem sociedade seguradora, resseguradora, entidade de previdência complementar ou operadora de saúde suplementar. As contrapartes permanecerão como únicas responsáveis pela indenização ou cobertura cabível, salvo quando houver insolvência, decretação de liquidação ou de falência, hipóteses em que a indenização poderá ser paga diretamente pelas SSPEs ao segurado, participante, beneficiário ou assistido, desde que o pagamento de referido montante já não tenha sido realizado pela ou para a contraparte.
Uma regra importante introduzida pela nova lei diz respeito à sujeição das SSPEs à taxa de fiscalização (uma contribuição aos cofres públicos exigível de outras sociedades reguladas pela Superintendência de Seguros Privados – Susep, cujo valor é atualizado periodicamente pelo Ministério da Economia, nos termos da legislação específica que regula o tema), podendo esse custo adicional ser incluído no valor global da captação de recursos a ser realizada via emissão de LRSs.
O que são LRSs
Emitidas por SSPEs, as LRSs são títulos de crédito nominativos, transferíveis e de livre negociação, representativos de promessa de pagamento em dinheiro, vinculados a riscos de seguro e resseguro. Assim como debêntures e notas promissórias, são consideradas títulos executivos extrajudiciais.
As obrigações representadas pelas LRSs se tornarão extintas pela inexistência de riscos a decorrer, sinistros a pagar e recursos a serem devolvidos aos seus titulares.
Os contratos de transferência de risco da contraparte para a SSPE, assim como as LRSs deverão garantir que a transferência de risco seja efetiva em todas as circunstâncias, cabendo ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) editar regras infralegais com relação ao termo inicial para cobertura dos respectivos riscos cedidos às SSPEs. Nesse contexto, os direitos dos investidores titulares das LRSs estarão subordinados às obrigações decorrentes do contrato de cessão de riscos à SSPE.
Independência patrimonial
Cada operação de aceitação de riscos de seguros e resseguros e consequente financiamento por LRS terá independência patrimonial em relação às demais operações efetuadas pela mesma SSPE e à própria SSPE.
Dessa forma, o patrimônio de cada operação, que incluirá a parcela do prêmio repassado pela contraparte e não destinado à remuneração da SSPE, não poderá ser utilizado para o pagamento de obrigações relativas a outras operações da SSPE e deve ser destinado exclusivamente à liquidação das LRSs a que estiver afetado e ao pagamento de sinistros, custos de administração e obrigações fiscais.
A Lei nº 14.430/2022, aliás, reforça a independência patrimonial de cada operação de aceitação de riscos de seguros e resseguros, ao prever expressamente que a afetação/separação patrimonial decorrente de tais operações produz efeitos inclusive em relação a eventuais débitos de natureza fiscal, previdenciária ou trabalhista, dentre outros débitos decorrentes de relações de direito público ou privado das quais a respectiva SSPE seja parte.
Regulamentação
A despeito da publicação da Lei nº 14.430/2022, ainda há providências futuras para regulamentar, em caráter definitivo, o financiamento e a transferência de riscos de seguros por meio das LRSs, entre elas, a edição e atualização de normas pelo CNSP e pela SUSEP (em especial a Resolução CNSP nº 396, de 11 de dezembro de 2020), bem como pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no que tange a esta última, relativamente à distribuição pública e oferta das LRSs.
Impactos da Lei
A publicação da Lei nº 14.430/2022 é extremamente positiva para os mercados de seguros e de capitais, já que a emissão das LRSs viabiliza alternativas de transferência e pulverização de riscos no mercado de seguros, resseguros, previdência privada e saúde.
Para os investidores, esse tipo de investimento diferenciado poderá ser uma alternativa interessante, considerando-se que os riscos subjacentes não são diretamente correlacionados a variáveis macroeconômicas.
O novo instrumento acelerará ainda mais a tendência de aproximação dos mercados de seguros e de capitais e permitirá uma atuação conjunta dos respectivos reguladores, o que colocará o Brasil, no que tange a esse aspecto, no mesmo patamar dos mercados internacionais mais desenvolvidos.
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