CVM edita resolução que facilita a emissão e investimento em BDRs
Medida altera definição de emissores estrangeiros, possibilita negociação de BDRs Nível I por investidores de varejo e cria BDRs lastreados em outros ativos
No dia 11 de agosto de 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Resolução CVM nº 3, que regula a emissão e negociação de certificados de depósito de valores mobiliários representativos de valores mobiliários de emissores estrangeiros (BDRs).
Dentre as inovações normativas, merecem destaque: a alteração do conceito de emissor estrangeiro; a previsão de aquisição de BDRs Nível I por investidores não qualificados; a previsão de emissão de BDRs com lastro em frações ideais de fundos de índice, como ETFs (exchange traded funds); e a possibilidade de emissão de BDRs lastreados em outros valores mobiliários além de ações.
Conceito de Emissor Estrangeiro
Com o intuito de viabilizar que investidores locais possam investir em valores mobiliários de emissores com operações no Brasil, mas que realizaram ofertas públicas no exterior, e possibilitar que tais emissores realizem parte da captação pretendida também no mercado local, a CVM alterou o conceito de emissor estrangeiro constante da Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009.
Nos termos da Resolução CVM 3, os BDRs podem ter por lastro ações de emissores estrangeiros (i.e. emissores cuja sede esteja localizada fora do Brasil) que tenham menos de 50% de seus ativos e receitas no Brasil, ou cujo principal mercado de negociação, que deve ser uma bolsa de valores:
- tenha sede fora do Brasil, em país cujo órgão regulador tenha celebrado com a CVM acordo de cooperação sobre consulta, assistência técnica e assistência mútua para a troca de informações, ou seja signatário do Memorando Multilateral de Entendimentos da Organização Internacional das Comissões de Valores – OICV; e
- seja classificado como “mercado reconhecido” no regulamento de entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários aprovado pela CVM.
Adicionalmente, considera-se como principal mercado de negociação dos emissores estrangeiros o mercado em que suas ações ou certificados de depósito de ações tenham maior volume nos últimos 12 meses ou, caso estejam em processo de realização de oferta pública inicial, o mercado em que ocorra o pleito de listagem e no qual o emissor capte a maior parte dos recursos da oferta em andamento.
Tal qual pretendido pela própria CVM no edital de Audiência Pública SDM 08/2019 (Audiência Pública), que deu ensejo à edição da Resolução CVM 3, as alterações normativas promovidas pela nova resolução têm o condão de viabilizar ofertas de BDRs de emissores estrangeiros considerando “apenas a localidade da sede” deste emissores e que, sob determinadas condições, seja permitido acesso ao mercado brasileiro “mesmo que possua[m] ativos ou receitas situados ou provenientes preponderantemente do Brasil”.
Segundo a CVM, além de representar restrição de captação aos próprios emissores, a limitação prevista anteriormente também privava investidores brasileiros da oportunidade de investimento em tais emissores.
Investidores autorizados a adquirir de BDRs Nível I
Outra inovação é a permissão que qualquer investidor adquira BDRs (patrocinados ou não) Nível I, antes restritos a investidores qualificados, ou empregados da empresa patrocinadora ou outra empresa do grupo.
Segundo a Resolução CVM 3, quaisquer investidores poderão adquirir BDRs Nível I, desde que a maior parte do volume de negociação destes ativos, nos últimos 12 meses, se dê em “mercado reconhecido” no regulamento de entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários aprovado pela CVM; e o emissor dos valores mobiliários que servem de lastro aos BDR esteja sujeito à supervisão de entidade reguladora de tal mercado. Além disso, a nova norma ressalta que a aceitação de ordens para negociação de BDR Nível I por intermediários é condicionada à verificação da compatibilidade do investimento com o perfil do investidor, nos termos da Instrução CVM nº 539, de 13 de novembro de 2013.
BDRs Lastreados em frações ideais de Fundos de Índice
A Resolução CVM 3 também introduz a figura de BDRs lastreados em frações ideais de fundos de investimento em índice de mercado. Para lastrearem BDRs, as frações ideais do patrimônio de tais fundos deverão necessariamente ser identificadas com um international securities identification number (ISIN) e admitidas à negociação em mercado organizado e custodiadas por instituição sediada no exterior e autorizada por órgão regulador que tenha celebrado acordo de cooperação com a CVM ou que seja signatário do Memorando Multilateral de Entendimentos da Organização Internacional das Comissões de Valores (OICV).
Aos fundos cujas frações ideais sejam lastro de BDR, serão aplicadas as mesmas restrições dos fundos de índice brasileiros, especialmente as que se referem aos requisitos do índice de referência e à vedação a que os fundos sejam inversos, alavancados ou sintéticos.
Os BDRs deverão ser emitidos no âmbito de programa expressamente autorizado pelo representante legal do fundo, por instituição depositária que deverá manter página na internet em que sejam disponibilizadas as informações elencadas no artigo 74-H da Instrução CVM 359 no idioma do país de origem do fundo antes da abertura das negociações no dia seguinte – dispensada se feita em português – e em português em até cinco dias da publicação original – dispensada se o programa de BDR for restrito a investidores qualificados. O registro do programa de BDRs será automaticamente concedido pela CVM mediante o protocolo dos documentos listados no artigo 74-P da Instrução CVM 359.
Os BDRs lastreados em frações ideais de fundos de índice poderão ser adquiridos por quaisquer investidores, desde que atendidas as mesmas condições aplicáveis aos BDRs lastreados em ações, mencionadas acima. Nos demais casos, o investimento nesses BDRs é restrito a investidores qualificados. Ainda nessa seara, os investidores poderão instruir a instituição depositária no exercício do direito de voto das frações ideais de fundos de investimento em índice de mercado que detiverem. Quando as características do programa impedirem esse direcionamento, a instituição depositária deverá necessariamente votar no seu melhor juízo do melhor interesse dos titulares dos BDRs objeto do programa.
Será permitida a transferência de programa de BDRs lastreados em frações ideais de fundos de índice negociados no exterior a outra instituição depositária, desde que a transferência seja comunicada aos investidores com, no mínimo, 60 dias de antecedência e as características dos BDRs não sejam alteradas.
Além disso, a Resolução CVM 3 trouxe três inovações aos fundos de índice brasileiros:
- a possibilidade de que fundos de índice comprem cotas de outros fundos de investimento no mesmo índice de mercado;
- a autorização para publicação retrospectivamente a cada rebalanceamento do índice, não apenas os pesos de cada ativo financeiro, mas também a composição do índice e outros parâmetros que permitam sua replicação;
- a simplificação de informações de divulgação necessária na página do fundo na internet.
Ainda, a norma limitou o prazo para publicação retrospectiva da composição do índice e dos pesos de cada ativo financeiro que o compõem após cada rebalanceamento do índice de referência a até três meses da data a que se referirem.
BDRs Lastreados em Valores Mobiliários Diversos de Ações
A Resolução CVM 3 permitirá ainda a emissão de BDRs com lastro em outros instrumentos que não ações. A flexibilização vem ao encontro de “gradual flexibilidade” pretendida pela CVM, com vistas a assegurar a investidores locais a oportunidade de investir também em outros ativos originalmente emitidos no exterior.
Conforme mencionado no edital da Audiência Pública, a CVM almeja, especialmente, viabilizar o acesso de emissores estrangeiros ao mercado de valores mobiliários brasileiro por meio de instrumentos de dívida. Assim, foi permitida a emissão de BDR com lastro em valores mobiliários representativos de dívida de emissores cujos ativos, receitas e sede estejam localizados no Brasil, desde que sejam listados ou admitidos à negociação em mercado de bolsa de valores ou em plataforma eletrônica de negociação com sede em país cujo órgão regulador tenha celebrado com a CVM acordo de cooperação sobre consulta, assistência técnica e assistência mútua para a troca de informações, ou seja signatário do Memorando Multilateral de Entendimento da OICV. Também é necessário que seja classificada como “mercado reconhecido” no regulamento de entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários aprovado pela CVM.
A Resolução CVM 3 entra em vigor em 1º de setembro de 2020.
Para mais informações, conheças as práticas de Mercado de Capitais e Fundos de Investimento do Mattos Filho.