Estamos em vias de ver nascer mais um grande contencioso, dessa vez entre o contribuinte e os fiscos estaduais, e que poderia ser perfeitamente evitável. O objeto será o chamado DIFAL, nova sigla que corresponde a uma incidência criada a pretexto de compensar os Estados de destino de bens nas vendas interestaduais a consumidor final não contribuinte.
Melhor dizendo, considerando o enorme crescimento do comércio virtual, que atualmente alcança usuários em todo o país, entre outros fatores, os Estados com consumidores passariam a apropriar parte do ICMS da operação, equivalente à diferença entre a alíquota interestadual e a interna do Estado do remetente, ao qual originalmente é pago o ICMS.
Os Estados agilmente produziram suas legislações locais para lhes autorizar tal exigência. O STF, por sua vez, entendeu que seria necessária a edição de lei complementar, além das leis estaduais, que, em decorrência da modulação de efeitos imposta pelo tribunal, tiveram sua eficácia suspensa a partir de 1º de janeiro de 2022 até a efetiva “regularização” da situação.
Pois bem, o Executivo apressou-se e uma lei complementar, na linha do condicionado pelo STF, foi aprovada e seguiu à sanção presencial na última semana do ano de 2021. Tudo levava a crer que os Estados estariam aptos a exigir o DIFAL já no ano de 2022, respeitados os 90 dias desde a vigência de tal lei complementar.
Contudo, para surpresa de todos e frustração dos Estados, a sanção não veio em 2021 e, com isso, afigura-se uma situação em que muito provavelmente muitas ações sobre o tema invadirão nossos tribunais.
Por um lado, sem lei complementar vigente em 2021 – que só foi publicada em 4 de janeiro de 2022 –, não será possível aos Estados exigir o DIFAL neste ano, já que a norma somente será eficaz a partir de 1º de janeiro de 2023. E, como já disse o STF, sem lei complementar, os Estados estarão impedidos de arrecadar.
Por outro lado, os Estados, que enfrentam gravíssimos problemas de arrecadação, ameaçam fazer “vistas grossas” ao princípio constitucional da anterioridade e querem exigir o DIFAL imediatamente, sob a alegação de que, já existindo legislação estadual, bastaria a publicação da lei complementar, sendo dispensável a vacatio legis.
Ora, a própria Lei Complementar nº 190/2022 estabelece sua eficácia a partir do primeiro dia do exercício seguinte à sua publicação. E, sem lei complementar eficaz, como dito, a condição imposta para a exigência do DIFAL, pelo STF, não estará atendida.
É evidente, portanto, que esse novo embate alcançará o Judiciário mais uma vez. Tudo isso, entretanto, poderia ser evitado.
A primeira leva de ações teria sido impedida se a lei complementar viesse antes de qualquer pretensão estadual. Os Estados se adiantaram e o STF, provocado pelo contribuinte, teve que agir.
Agora, após a aprovação da lei complementar pelo Congresso, a sanção presidencial tardou e os Estados não parecem dispostos a respeitar os requisitos constitucionais. Forçarão os contribuintes a voltar aos tribunais.
Quem olha de fora pode se ver inclinado a censurar esse aparente inconformismo sistêmico do contribuinte, que, a cada passo dado pelo fisco, se volta contra ele. Mas o outro lado da moeda é a atitude dos Estados, que insistem em fazer errado, quando lhes foi apontado, pela mais alta Corte do país, o caminho do certo.
O caminho do certo, todavia, não parece interessar, eis que reduz a arrecadação e frustra interesses políticos e econômicos. E o errado, por sua vez, embora um dia deva vir a ser refutado (esperamos), perdurará por um bom tempo, sustentado pela inaceitável morosidade do judiciário.
Trago o assunto do DIFAL, que tem atraído a atenção momentânea de todos, mas que é meramente um exemplo entre muitos outros. No caso específico, chama a atenção a inação do Presidente da República ao não sancionar a lei complementar em 2021 e a indiferença dos governadores ao que foi decidido pelo STF, uma vez que pretendem insistir em exigência de forma já considerada inconstitucional, atitudes que acabam por estimular a litigiosidade fiscal no país.
Assim, seguiremos sofrendo com os mesmos erros evitáveis, contrariando o interesse público e fazendo com que os temas “tributação” e “insegurança jurídica” sejam dois dos maiores desestímulos ao crescimento da economia no Brasil.