CMN e BCB adotam medidas para mitigar impactos do Covid-19 no mercado financeiro
Entre as ações adotadas estão a flexibilização de determinadas obrigações e ampliação de instrumentos para captação de recursos
No intuito de mitigar os potenciais impactos negativos do novo coronavírus (Covid-19) sobre os mercados financeiro e de capitais, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BCB) adotaram uma série de medidas ao longo das últimas semanas. Entre as ações implantadas, estão a flexibilização de determinadas obrigações e requisitos regulatórios cotidianos e periódicos aos quais as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pela autarquia estão sujeitas; a adoção de mecanismos para conferir mais liquidez ao mercado, com objetivo de fomentar a concessão de crédito, e a ampliação dos instrumentos utilizados por tais instituições para captação de recursos.
Flexibilização de obrigações cotidianas e periódicas
Em linha com as recomendações e boas práticas de segurança e saúde pública divulgadas pelas autoridades competentes no Brasil e no exterior, o BCB adotou uma série de medidas para flexibilizar obrigações regulatórias cotidianas e periódicas às quais as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pela autarquia estão sujeitas, preservando a prestação dos serviços essenciais à população:
• Circular BCB nº 3.991, de 19 de março de 2020: flexibiliza o atendimento presencial ao público nas dependências das instituições financeiras e das demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB sem necessidade de comunicação de eventuais alterações com antecedência. A medida deve perdurar enquanto existir situação de risco à saúde pública em decorrência do Covid-19, dispensando os bancos e a Caixa Econômica Federal do cumprimento, em suas agências, do horário de funcionamento obrigatório e ininterrupto de que trata a Resolução CMN nº 2.932, 19 de março de 2002. De acordo com a nova regra, as diretrizes para atendimento presencial, incluindo quaisquer condições especiais, como o novo horário de funcionamento ou eventual limitação no acesso, deverão ser afixadas em local visível nas dependências das instituições, bem como informadas aos clientes por meio dos outros canais de atendimento disponíveis;
• Carta Circular BCB nº 4.017, de 20 de março de 2020: estabelece o procedimento que deve ser observado por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pela autarquia no tocante ao encaminhamento de documentos necessários à instrução de pleitos perante o Departamento de Organização do Sistema Financeiro (DEORF), em vista do fechamento temporário dos protocolos físicos, mantendo-se apenas o protocolo digital; e
• Circular BCB nº 3.995, de 24 de março de 2020: prorroga os prazos para entrega das Declarações de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) estabelecidos na Circular BCB nº 3.624, de 06 de fevereiro de 2013, em decorrência das dificuldades que os declarantes terão para reunir as informações necessárias sobre seus ativos no exterior por conta dos impactos conjunturais causados pelo Covid-19, particularmente em razão do fechamento temporário de serviços públicos e privados no Brasil e no exterior. A entrega da DCBE em bases anuais é obrigatória para pessoas físicas e jurídicas residentes, domiciliadas ou sediadas no país que detenham ativos no exterior em montante igual ou superior a US$ 100 mil, em 31 de dezembro de cada ano-base (DCBE Anual), e em bases trimestrais para aquelas que detenham ativos no exterior em montante igual ou superior a US$ 100 milhões, em 31 de março, 31 de junho e 30 de setembro de cada ano-base (DCBE Trimestral). Nesse sentido, o BCB prorrogou o prazo para envio da DCBE Anual, com data base de 31 de dezembro de 2019, do dia 05 de abril para o dia 01 de junho de 2020; e DCBE Trimestral, com data base de 31 de março de 2020, do dia 05 de junho para o intervalo entre 15 de junho e 15 de julho de 2020.
Instrumentos para liquidez e concessão de crédito
Dentre as medidas adotadas pelo CMN e pelo BCB para aumentar a liquidez do mercado e permitir que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pela autarquia tenham volumes maiores de recursos para manter suas operações em funcionamento, bem como para conceder crédito a terceiros, conforme o caso, foram publicadas as seguintes normas:
• Circular BCB nº 3.990, de 18 de março de 2020: estabelece os critérios e condições para a realização de operações compromissadas em moeda estrangeira, por meio das quais o BCB poderá comprar, de instituições financeiras, à vista e com desconto de 10% em relação ao respectivo valor de mercado, títulos da dívida pública mobiliária federal externa emitidos pelo Brasil (i.e. global bonds). Tais operações serão contratadas exclusivamente por meio de dealers de câmbio credenciados pela autarquia mediante a assinatura de um termo de adesão, no qual deverão declarar a respectiva concordância com as condições e critérios fixados pelo BCB, tais como: liquidação em 2 dias úteis da contratação e recompra dos títulos com as mesmas características em até 30 dias corridos da liquidação, admitida a contratação de novas operações caso acordado entre as partes; e transferência de margem, em conformidade com as especificações do BCB, sempre que a exposição de qualquer das partes for igual ou superior a US$ 500 mil;
• Resolução CMN nº 4.782, de 16 de março de 2020: define critérios temporários para a caracterização de reestruturações de operações de crédito realizadas até 30 de setembro de 2020 a fim de manter o fluxo de crédito na economia brasileira e facilitar a renegociação de dívidas, particularmente envolvendo micro, pequenas e médias empresas, as quais são diretamente afetadas pelo Covid-19. De acordo com a nova norma, as instituições estão dispensadas de enquadrarem tais renegociações como ativos problemáticos nos termos da Resolução CMN nº 4.557, de 23 de fevereiro de 2017, desde que não sejam caracterizadas como ativos problemáticos na data da publicação da nova regra; e tenham como contrapartes pessoas naturais ou jurídicas com capacidade financeira de honrar as obrigações, considerando as novas condições pactuadas. Consequentemente, a medida dispensa as instituições de aumentarem provisionamentos para repactuação de operações, o que lhes permite ter mais recursos disponíveis para realizar reestruturações e novas operações de crédito. Tendo em vista os impactos positivos desta medida para a economia, o CMN decidiu estender a referida dispensa às instituições enquadradas no Segmento 5 (S5), tais como cooperativas de crédito e fintechs, por meio da Resolução CMN nº 4.791, de 26 de março de 2020;
• Resolução CMN nº 4.783, de 16 de março de 2020: dispõe sobre o percentual do Adicional de Conservação de Capital Principal (ACPConservação) a ser aplicado no montante de Ativos Ponderados pelo Risco (RWA). O ACPConservação é uma das 3 parcelas que compõem o Adicional de Capital Principal instituído pela Resolução CMN nº 4.193, de 01 de março de 2013, em linha com as recomendações do Comitê de Basileia para Supervisão Bancária, conhecidas como Basileia III. De acordo com tal norma, desde 01 de janeiro de 2019, o valor da parcela ACPConservação deveria corresponder a 2,5% do RWA. Não obstante, a nova norma reduziu significativamente tal percentual de aplicação e propôs que seu aumento seja realizado de forma gradativa, observadas as seguintes fases: 1,25%, de 01 de abril de 2020 a 31 de março de 2021; 1,625%, de 01 de abril a 30 de setembro de 2021; 2%, de 01 de outubro de 2021 a 31 de março de 2022; e 2,5%, a partir de abril de 2022;
• Resolução CMN nº 4.784, de 18 de março de 2020: altera a Resolução CMN nº 4.680, de 31 de julho de 2018, que dispõe sobre a apuração do Capital Principal do Patrimônio de Referência, disciplinado pela Resolução CMN nº 4.192, de 01 de março de 2013, no intuito de ampliar, de 31 de dezembro de 2019 para 31 de dezembro de 2020, o prazo em que as instituições financeiras e autorizadas a funcionar pelo BCB podem deixar de deduzir os créditos tributários de prejuízos fiscais reconhecidos que sejam decorrentes de posição vendida em moeda estrangeira para fins de hedge de participações em investimentos no exterior; e estender, em 1 ano, o cronograma de dedutibilidade dos referidos créditos tributários, de modo que as instituições possam deduzir, no mínimo, 50% de 01 de janeiro até 30 de junho de 2021, e 100% de 01 de julho até 31 de dezembro de 2021;
• Circular BCB nº 3.993, de 23 de março de 2020: reduz temporariamente a alíquota do recolhimento compulsório sobre recursos a prazo estabelecida pela Circular BCB nº 3.916, de 22 de novembro de 2018, de 25% para 17%. De acordo com o BCB, tal redução resultará na liberação de R$ 68 bilhões à economia e será aplicável de 30 de março até 14 de dezembro de 2020, observado que a alíquota de 25% deverá ser recomposta após tal período;
• Resolução CMN nº 4.787, de 23 de março de 2020: ajusta a base de cálculo do direcionamento dos recursos captados por meio da emissão de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), flexibilizando os montantes direcionados a operações de crédito rural no intuito de fomentar a concessão de crédito ao setor;
• Resolução CMN nº 4.788, de 23 de março de 2020: altera a Resolução CMN nº 4.788, de 23 de março de 2020, para dispor sobre emissões de letras financeiras destinadas exclusivamente à realização de operações com o BCB para atender a necessidades de liquidez da instituição emissora, as quais poderão ser recompradas em sua totalidade a qualquer tempo; e aumentar o limite de recompra de letras financeiras subordinadas emitidas por instituições enquadradas no Segmento 1 (S1) de 5% para 20%, contribuindo para o aumento da liquidez dos títulos; e
• Resolução CMN nº 4.792, de 26 de março de 2020: altera a Resolução CMN nº 4.656, de 26 de abril de 2018, para autorizar sociedades de crédito direto a emitirem cartões de crédito e financiarem operações com recursos provenientes de repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da venda ou cessão de créditos para outros tipos de fundos de investimento – além de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) permitidos até então –, beneficiando micro e pequenos empresários que possuem pouco acesso a serviços financeiros.
Instrumentos para captação de recursos
Considerando que as incertezas causadas pelo Covid-19 sobre a economia podem impactar negativamente a captação de recursos pelas instituições financeiras em razão do aumento da aversão ao risco, o CMN editou as seguintes regras com o objetivo de assegurar a estabilidade financeira e o bom funcionamento do mercado:
• Resolução CMN nº 4.785, de 23 de março de 2020: altera a Resolução CMN nº 4.222, de 23 de maio de 2013, para autorizar instituições financeiras a captarem recursos por meio de Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE1) do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) até o limite de R$ 20 milhões por titular, instrumento que já foi utilizado com sucesso pelo BCB para dar liquidez ao mercado no âmbito da crise mundial de 2008. De acordo com a nova regra, o DPGE1 deve ter as seguintes características: valor mínimo de emissão de R$ 1 milhão; prazo mínimo de 12 meses e máximo de 24 meses, sendo vedado o resgate antecipado; possibilidade de captação em valor equivalente ao patrimônio líquido da instituição, limitado a R$ 2 bilhões por conglomerado; e necessidade de recolher contribuição mensal ao FGC equivalente a 0,03% ou 0,02% do saldo captado, observado que este último percentual será aplicável a instituições que ofereçam contragarantias ao FGC (DPGE2) por meio de cessões fiduciárias de recebíveis de operações de crédito e de arrendamento mercantil por elas originadas. Além disso, a nova norma prorroga a data de incidência das captações pulverizadas (i.e. até R$ 5 mil) no cálculo da Contribuição Adicional paga pelas instituições associadas ao FGC para 01 de julho de 2021; e
• Resolução CMN nº 4.786, de 23 de março de 2020: autoriza o BCB a conceder, a instituições financeiras, uma Linha Temporária Especial de Liquidez (LTEL) lastreada em debêntures que cumpram determinados requisitos, bem como em recolhimentos compulsórios em montante equivalente à operação, no intuito de dar liquidez ao mercado secundário de dívida privada e, assim, conter os efeitos adversos causados pelo Covid-19 sobre o mercado de capitais. Nesse sentido, de acordo com notícias divulgadas sobre o tema, a LTEL irá liberar R$ 91 bilhões para os bancos e a Caixa Econômica Federal, desde que sejam titulares de conta “Reservas Bancárias” junto ao BCB. Na mesma data, foi publicada a Circular BCB nº 3.994 para disciplinar a referida Resolução, detalhando as condições contratuais e procedimentos operacionais necessários para a formalização das operações e mobilização das respectivas garantias. A norma prevê os critérios para adesão à LTEL, encargos financeiros das operações, parâmetros para aceitação de garantias, preço dos ativos, índice de concentração por emissor, deságios e limites financeiros, pagamento e liquidação financeira, e liberação e recomposição da garantia. As instituições indicadas poderão obter empréstimos no âmbito da LTEL de 6 a 30 de abril de 2020, observado que as operações terão duração de 125 dias úteis, prorrogáveis por igual período a critério do BCB.
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