Medidas de combate à lavra ilegal de metais preciosos e prevenção à lavagem de dinheiro
Normativos da Agência Nacional de Mineração (ANM), Receita Federal do Brasil (RFB) e Banco Central do Brasil (BCB) visam garantir maior transparência nas operações envolvendo metais preciosos
Assuntos
A Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa (PLD/FTP) é uma matéria com grande visibilidade no atual cenário político brasileiro e que tem atingido cada vez mais setores. No caso do setor mineral, a extração ilegal de metais preciosos – sobretudo de ouro – ganhou manchetes na imprensa nos últimos meses, especialmente por trazer prejuízos para o meio ambiente e para comunidades tradicionais, como as indígenas. Em reação a tais ocorrências, vários entes públicos editaram, ao longo deste ano, novos normativos que instituem obrigações aos produtores de pedras e metais preciosos, bem como àqueles que adquirem tais produtos.
A criação dos normativos e a maior atenção atribuída pelas autoridades que regulamentam e fiscalizam o setor de mineração se dá, principalmente, pela crescente preocupação com o combate ao garimpo ilegal no país e a seu financiamento, o que também envolve o aprimoramento de controles na cadeia de comercialização de metais preciosos.
Resolução ANM nº 129: obrigações a mineradores relacionadas ao combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo
A Resolução ANM nº 129, que entrou em vigor no dia 24 de março de 2023, estabeleceu a obrigatoriedade de adoção de mecanismos de PLD/FTP por produtores de pedras e metais preciosos, aplicando-se àqueles que lavram tais produtos amparados em concessão de lavra, manifesto de mina, permissão de lavra garimpeira ou mesmo guia de utilização. Apesar de a norma diferenciar os pequenos dos médios e grandes produtores, as disposições e obrigações estabelecidas pela Resolução devem ser cumpridas de forma uníssona por aqueles que extraem pedras e metais preciosos.
A Resolução representa uma resposta da ANM aos resultados da Avaliação Nacional de Riscos de Lavagem de Dinheiro, Financiamento do Terrorismo e Financiamento da Proliferação de Armas de Destruição em Massa (ANR), que apontou o garimpo ilegal como uma ameaça de nível alto, o que demonstrou a necessidade de regulamentação da Lei de Lavagem de Dinheiro nº9.613/1998, no âmbito da atividade minerária. Em síntese, a resolução requer que os mineradores produtores de pedras e metais preciosos adotem mecanismos de prevenção e controle já adotados por pessoas físicas e jurídicas de outros setores e que estão sujeitas às disposições da lei.
Entre as principais medidas instituídas pela Resolução e que devem ser implementadas por mineradores, temos:
- Necessidade de elaboração de políticas internas de PLD/FTP, que deve abranger, obrigatoriamente, os procedimentos dispostos no artigo 2° da resolução;
- Adoção de medidas de Know Your Custumer (KYC) e de Know Your Employee (KYE), com atenção aos cuidados adicionais necessários em interações com Pessoas Expostas Politicamente (PEP), nos termos da Resolução nº40/2021 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf);
- Registro e monitoramento de operações de comercialização de produtos com objetivo de identificar e dispensar especial atenção às suspeitas de lavagem de dinheiro, de financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (LD/FTP).
A Resolução introduz ainda, de forma exemplificativa, uma série de elementos aptos a caracterizar ou indicar um sinal de alerta (red flag) de indícios de LD/FTP aos produtores de pedras e metais preciosos que atuam na atividade de extração mineral. Além disso, outra disposição importante estabelecida pela Resolução da ANM é a obrigatoriedade de os mineradores comunicarem ao Coaf quaisquer operações consideradas suspeitas e/ou que envolvam valores iguais ou superiores a R$ 50.000,00.
Destaca-se, ainda, que apesar de as obrigações mencionadas acima serem aplicáveis aos produtores de pedras e metais preciosos independentemente do seu porte, a resolução define disposições específicas a serem seguidas pelas empresas de médio e grande porte, notadamente a obrigação de implementar e manter estruturas e políticas formuladas com o objetivo de assegurar que cumpram seus deveres relacionados à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
O conteúdo dessas políticas está previsto na Resolução, que também prevê a obrigação dos produtores de médio e grande porte de desenvolverem mecanismos de controle e governança corporativa que sejam compatíveis com o porte e volume de suas operações, assim como proporcionais aos riscos de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo porventura relacionados às suas atividades.
Mais recentemente, a ANM determinou (via Resolução nº 138, de 1º de agosto de 2023) que o prazo para a implementação dessas estruturas e políticas será o dia 1º de janeiro de 2024.
Instrução Normativa RFB nº 2.138/2023: registro de operações envolvendo o ouro como ativo financeiro
Em consonância com a Resolução da ANM, a RFB editou a Instrução Normativa n° 2.138/2023 (IN), que instituiu a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) do Ouro Ativo Financeiro, instrumento destinado ao registro de operações com ouro quando este é classificado como ativo financeiro ou instrumento cambial. A emissão da NF-e é obrigatória para todas as instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e que são autorizadas pelo Banco Central do Brasil (BCB) a operar com o ouro. A instrução também prevê a elaboração do “Manual de Orientação do Contribuinte”, que deverá conter as diretrizes e os requisitos técnicos, assim como um modelo a ser seguido para a correta emissão da NF-e. A emissão da NFe Ouro Ativo Financeiro tornou-se obrigatória a partir de 1º de agosto de 2023.
A propósito da IN, a RFB também publicou nota esclarecendo que a medida tem como objetivo promover o aumento da transparência das operações envolvendo ouro e permitir que essas operações sejam auditadas com maior facilidade, uma vez que simplifica o acesso às informações sobre as operações. Além disso, a IN indica que as empresas que descumprirem a determinação ou que reportarem informações inexatas ou inverídicas serão consideradas inidôneas para todos os efeitos fiscais.
Instrução Normativa BCB nº 406/2023: compra de ouro por instituições financeiras
O Banco Central do Brasil editou, em 31 de julho de 2023, a Instrução Normativa BCB nº406, com o objetivo de orientar instituições financeiras quanto aos procedimentos a serem adotados em operações de compra de ouro. Bancos comerciais, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários (CTVM) e sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários (DTVM) são autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) a praticar operações de compra e venda, por conta própria ou de terceiros, de metais preciosos no mercado físico.
De acordo com a Instrução Normativa, quando realizarem a compra de ouro, tais instituições devem partir da premissa de que não há presunção de legalidade quanto à origem do ouro a ser adquirido, nem presunção de boa-fé. Essa presunção foi afastada em razão de determinação do Supremo Tribunal Federal, conforme abaixo.
Além disso, a Instrução Normativa determina que, quando realizarem a compra de ouro, tais instituições devem cumprir integralmente a regulamentação aplicável editada pelo CMN e pelo BCB, observando, por exemplo, os limites prudenciais e de exposição a cliente, os controles de PLD/FTP e os termos da política de responsabilidade social, ambiental e climática (PRSAC) aplicáveis a essas operações.
Projeto de Lei 3025/2023: combate à lavra ilegal de ouro
Em consonância com a edição de atos normativos por vários entes integrantes da Administração Pública para regulamentar a lavra e a comercialização de metais preciosos no Brasil, o presidente da República enviou ao Congresso Nacional, em junho, um Projeto de Lei que versa sobre “normas de controle de origem, compra, venda e transporte de ouro no território nacional e altera a Lei nº7.766/1989”.
O Projeto de Lei nº3025/2023 foi apresentado com o objetivo de combater a lavra ilegal de ouro em terras indígenas e unidades de conservação que, conforme exposição de motivos, que está relacionada a fatores como “inexistência de controle sobre a cadeia de compra e venda do ouro oriundo do regime de Permissão de Lavra Garimpeira – PLGs, e brechas na legislação que permitem o “esquentamento” do ouro extraído ilegalmente de territórios protegido”.
Entre os principais temas abordados pelo respectivo Projeto de Lei nº 3025/2023, temos a manutenção da regra de que a primeira aquisição do ouro oriundo do regime de PLGs, que será considerado ativo financeiro, deve ocorrer exclusivamente por instituições financeiras. Essa aquisição passará a ser registrada na ANM, com informações envolvendo a operação (inclusive a quantidade adquirida), passando a ser obrigatória a expedição de nota fiscal eletrônica – seguindo a mesma linha do que já se tornou obrigatório em 1º de agosto de 2023, com base na IN RFB 2.138/2023.
Outra previsão que consta do Projeto de Lei 3025/2023 é a de que o transporte e a custódia de ouro – independentemente de sua natureza – deverão estar acompanhados por Guia de Transporte e Custódia de Ouro, a ser expedida pelo vendedor e registrado em sistema eletrônico da ANM. O ouro apreendido sem a respectiva guia, ou em desacordo com ela, estará sujeito a apreensão e perdimento, sem prejuízo da responsabilização cível e criminal dos envolvidos. Além disso, no caso de ouro proveniente de garimpo, seu transporte antes da aquisição por instituição financeira não poderá ocorrer para fora dos limites da região aurífera produtora, conforme venha a ser delimitado pela ANM com o apoio do Serviço Geológico. O Projeto de Lei também prevê a possibilidade de criação, pela ANM, de mecanismo de rastreabilidade do ouro.
Já no que diz respeito às instituições financeiras, o Projeto de Lei estabelece que o Conselho Monetário Nacional deverá regulamentar estruturas de gerenciamento de risco que permitam a realização de diligências para verificar a veracidade das informações prestadas pelo vendedor quanto à origem lícita do ouro, além de viabilizar a adoção de medidas que permitam e combatam o uso do sistema financeiro para a crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, conforme previsto na Lei de Lavagem de Dinheiro. Nesse sentido, o Projeto de Lei alinha-se à recém-editada IN BCB 406/2023, que afastou a presunção de boa fé na aquisição de ouro como ativo financeiro.
Além disso, o Projeto de Lei proíbe que titulares de direitos minerários (seus cônjuges ou consanguíneos e afins até o terceiro grau) exerçam o controle ou participem de grupo de controle de instituições financeiras que desenvolvam operações de compra de ouro de garimpo. A mesma vedação se aplica a pessoas que tenham condenação penal transitada em julgado ou proferida por órgão jurisdicional colegiado quanto a crimes de organização criminosa, receptação qualificada, usurpação de bem mineral, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, grilagem, concussão, corrupção ativa, corrupção passiva, crimes contra a economia popular, a fé pública, a ordem tributária, apropriação indébita previdenciária ou sonegação de contribuição previdenciária.
O Projeto de Lei ainda deverá tramitar pela Câmara dos Deputados e, se aprovado, pelo Senado Federal, a redação aprovada deve ser submetida à sanção do Presidente da República.
Considerações finais
Como se vê a partir das observações acima, diversos entes integrantes da administração pública federal (ANM, RFB, BCB) editaram normativos ao longo de 2023 que convergem para um sistema de maior controle sobre a produção e a comercialização de metais preciosos, especialmente o ouro. Na mesma linha, o Projeto de Lei 3025/2023 enviado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República demonstra a preocupação quanto à temática e um nítido movimento de introdução de normas cada vez mais robustas no ordenamento jurídico brasileiro regulamentando a lavra e a comercialização de metais preciosos no Brasil.
Essa tendência por maior regulamentação e enforcement no setor de mineração é, aliás, reverberada no Poder Judiciário, conforme a do Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.345. Na ação, o Tribunal suspendeu em caráter liminar os efeitos, em todo o território nacional, do artigo 39, § 4º, da Lei Federal nº12.844/2013, por entender que o dispositivo reduz as responsabilidades das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM’s) pela compra de ouro com origem ilegal.
Em sua decisão, o Ministro Gilmar Mendes entendeu que o dispositivo permitia que as DTVM’s realizassem a compra do minério apenas com base na declaração do vendedor de que a origem seria lícita, além de referir-se ao entendimento de que “o diploma legislativo em questão inviabilizou o monitoramento privado ao desresponsabilizar o comprador, o que incentivou o mercado ilegal”.
Ainda como parte da decisão liminar, o Supremo Tribunal Federal determinou que o Poder Executivo adotasse as medidas normativas necessárias para combater a compra de ouro extraído ilegalmente, em especial de terras indígenas e áreas destinadas à proteção ambiental. Os normativos da RFB e BCB dão cumprimento, no âmbito das competências desses entes, a essa determinação do STF.
Dessa forma, as novas normas, medidas e projetos demonstram uma maior preocupação com as operações realizadas no setor de mineração, principalmente com relação à origem e ao destino de metais preciosos. Os novos normativos também se mostram como importantes instrumentos de combate ao financiamento e à prática de garimpo ilegal, já que, assim, haverá um maior controle das informações relacionadas às partes envolvidas nas operações e uma busca por maior segurança e garantia de licitude da cadeia produtiva do setor de mineração.
Para mais informações sobre o tema, conheça as práticas de Infraestrutura e Energia, Compliance e Ética Corporativa, e Bancos e Serviços Financeiros do Mattos Filho.
*Colaborou Beatriz Borges Paiva de Queiroz