Câmbio e Lava-Jato aumentam interesse externo em concessão
O pacote de concessões que o governo
apresenta hoje chega em meio a um clima
de desânimo no país, mas para o
investidor estrangeiro alguns fatores
jogam a favor e elevam o interesse nos
projetos ofertados. Consultorias e
escritórios de advocacia ouvidos pelo
Valor identificam um apetite maior
entre os estrangeiros para participar da
nova rodada de concessões em
infraestrutura, especialmente em parcerias com empresas locais. A
desvalorização cambial, que barateia novos projetos e, nas contas de
analistas, torna os ativos existentes em infraestrutura cerca de 25% a 30%
mais baratos em dólar, deve encorajar europeus, americanos e asiáticos a
marcar presença mais forte nas licitações. E a operação LavaJato, que vem
sendo apontada como motivo de preocupação para os investimentos, neste
caso funciona como incentivo.
A percepção é que a operação coloca os grandes players do mercado em
situação de maior "cautela" e abre espaço importante para que empresas
brasileiras de médio porte encarem lances mais ousados a partir da estrutura
de capital dos estrangeiros. Uma eventual menor participação do BNDES no
processo também não assustaria, porque, segundo especialistas, esses players
trazem na bagagem solução técnica e de capital.
"Dinheiro e apetite eles têm", diz Virgílio Lopes Enei, à frente da área de
infraestrutura do escritório Machado Meyer. "Agora é uma questão de não
sofrerem restrições nas regras das licitações e de não se depararem com
competição muito acirrada com quem têm estrutura operante no Brasil",
afirma.
Após duas semanas em roadshow com cerca de 20 investidores americanos,
canadenses e chineses para falar sobre os projetos de infraestrutura no
Brasil, Luiz Carlos Campos, sócio de transações corporativas da Ernst &
Young (EY), diz que para o estrangeiro especialmente aquele que quer
entrar no Brasil a parceria com empresas locais é "fundamental". "Vejo uma
tendência para os próximos projetos: lotes de concessão com mais
participantes internacionais associados a players locais que conheçam o
mercado e tenham toda a certificação."
Campos conta que durante os 15 anos em que atua em infraestrutura sempre
ficou claro que estrangeiros que não conheciam a fundo o país tinham certa
aversão a participar de projetos. Hoje, se mostram mais dispostos a tomar
riscos e um exemplo disso é uma frase dita por um deles. Segundo esse
investidor, até pouco tempo atrás, ele só entrava em ativos com operações em
curso, mas hoje "topo entrar em greenfield [novo] desde que isso esteja
devidamente precificado", afirmou.
A propensão para estruturar os projetos de uma maneira mais amigável para
o investidor é um bom motivo a explicar o interesse crescente do estrangeiro
pelo Brasil, diz Bruno Werneck, sócio do escritório Mattos Filho. "O governo
parece ter deixado de lado a "obsessão" por regular a taxa de retorno e dá
sinais de que a nova rodada de concessões terá menos intervenção", diz.
Segundo ele, a procura maior tem sido de investidores novos, como empresas
japonesas querendo investir nos setores de petróleo e gás e saneamento, e
chineses de olho em concessões de modo geral e, eventualmente, em adquirir
construtoras brasileiras.
Para Fábio Falkenburger, especialista em aviação do escritório Machado
Meyer, o cenário econômico pouco favorável é compensado pela
desvalorização do real, que abre boa oportunidade para a participação
estrangeira. Na área de aeroportos, diz ele, as consultas são de investidores
europeus e americanos que ainda não estão presentes no país. "A gente pode
contar com estrangeiros nessa rodada em número e volume maior do que nas
anteriores", diz.
Nos outros setores de infraestrutura, diz Lopes, do Machado Meyer,
destacamse empresas especializadas que já conhecem o Brasil e têm grande
capacidade de investimento, como a espanhola Abengoa, além de chineses,
coreanos e japoneses, que podem investir ainda mais no país. Segundo
Lopes, os chineses olham para a área de energia, além de estaleiros, navios e
gasodutos, transporte e logística de modo geral. No caso dos japoneses, há
interesse em projetos de mobilidade urbana, como metrô e monotrilho.
Ricardo Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de
Rodovias (ABCR), avalia que a participação estrangeira não deve ser
superestimada. Por não exigirem tecnologia avançada, as rodovias não
devem chamar muito a atenção deles e, ainda assim, avalia Pinheiro, ao fazer
investimento no Brasil, essas empresas devem se associar a empresas
nacionais "até por características de construção".
José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria de
Construção (CBIC), não nega a necessidade de capital estrangeiro, porque
faltaria "poupança interna que pague a conta", mas ressalta que a crise
brasileira é diferente das outras e não envolve recursos. "A nossa crise é de
confiança".
Na opinião de João Augusto de Castro Neves, diretor do Eurasia Group, o
comprometimento maior do governo ocorre em momento político e
econômico mais grave, mas o que pode alterar esse quadro é a grande
reestruturação pela qual deve passar o setor de construção em razão da LavaJato.
Para ele, porém, é cedo para dizer que o pior já passou e os próximos
dois meses serão cruciais. "Talvez seja uma história que fique mais positiva
não imediatamente, mas mais para o fim do ano ou início do ano que vem".