Juliana Estigarríbia
31/05/2017
A atual crise política frustrou o mercado quanto à possibilidade de uma revisão da lei de licenciamento ambiental, sinalizada pelo governo de Michel Temer. Agora, para especialistas, não há um horizonte para o avanço dessa discussão. A principal reclamação de empresas que investem em projetos de infraestrutura no Brasil, incluindo grandes ativos de mineração, é que diversos atores não só atuam, mas também interferem no processo de concessão da licença ambiental, que chega a levar mais de cinco anos para ser aprovada.
"A legislação brasileira na área é um Frankenstein, pois agrupa diversos dispositivos e tem brechas demais", avalia a sócia da área ambiental do Siqueira Castro Advogados, Simone Paschoal Nogueira.
Antes da crise política que se instalou no governo Temer, havia a expectativa de que o Congresso pudesse apreciar o texto que propõe a revisão da lei geral de licenciamento ambiental.
"Mas enquanto houver essa insegurança no cenário político, dificilmente o tema vai avançar", destaca Simone.
Para o sócio do Mattos Filho, Luiz Gustavo Bezerra, o momento não é favorável para a proposta. "Não fosse o ambiente político, a expectativa seria grande para que o projeto fosse apreciado nos próximos meses", destaca o advogado.
De acordo com o sócio do Lima Feigelson Advogados, Bruno Feigelson, desde o acidente com a barragem de rejeitos da Samarco, em novembro de 2015, a obtenção de licenças ambientais para projetos de infraestrutura especialmente no setor de mine' ração ficou ainda mais difícil. "A concessão desse tipo de licenciamento está praticamente parada", conta o advogado.
No entanto, o problema é antigo. Um caso emblemático foi o da mineradora Anglo American, que fez um investimento bilionário no projeto Minas-Rio, de minério de ferro, há alguns anos. Inicialmente orçado em pouco mais de US$ 2 bilhões, o empreendimento enfrentou problemas para obter licenças e acabou custando alguns bilhões a mais.
As obras da hidrelétrica de Belo Monte também foram consideravelmente adiadas devido ao atraso na concessão de licenças pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O consultor em mineração José Mendo explica que o principal entrave do licenciamento ambiental é a forte subjetividade na análise dos impactos dos empreendimentos no meio ambiente. "É preciso pacificar essa questão para que a atividade minerária tenha previsibilidade e avance", acrescenta Mendo.
Bezerra salienta que subjetividade é da natureza do processo de licenciamento ambiental. "Mas no Brasil o grau do que é subjetivo saiu do normal".
Segundo o advogado, a discricionariedade na concessão de licenças precisa ter um nível técnico. "Mas muitas vezes a empresa é obrigada a fazer o que o poder público deveria prover, como saúde e educação de uma comunidade impactada pelo empreendimento", explica. "Há uma deturpação na concessão de licença ambiental para socioambiental", analisa.
Órgão ambiental
O consenso entre especialistas é que o técnico que assina a licença ambiental não tem incentivo algum para fazê-lo. "Concursado, ele não tem estímulos para assumir tamanha responsabilidade e os riscos são muitos", observa Bezerra. "Em caso de um problema mais grave, o funcionário pode ser responsabilizado criminalmente", ressalta.
Simone, do Siqueira Castro, acredita que seja necessário aproximar os órgãos ambientais dos empreendimentos para reduzir o receio de aprovação do licenciamento. "A lei de crime ambiental virou uma bengala. O funcionário prefere não autorizar por medo de enfrentar um processo no futuro."
A advogada aponta ainda outro problema intrínseco à discussão: o distanciamento entre a lei e a prática. "O Brasil é muito grande, com diferentes realidades e biomas. E naturalmente falta visão prática por parte do Judiciário, por isso a prevenção é tão importante para o início de um projeto de infraestrutura. Isso evita sensivelmente o contencioso", esclarece.
Na avaliação da sócia do Mattos Filho, Lina Pimentel, a legislação brasileira para concessão de licenças ambientais é considerada rígida. "A lei é muito boa do ponto de vista conceituai. O problema acaba sendo como é aplicada", pondera.
Para ela, a revisão da lei não iria mudar o poder discricionário dos órgãos ambientais. "Hoje, faltam regras claras, o que deixa espaço para diferentes análises, dificultando e prolongando o processo de concessão das licenças", analisa.
Lina observa que a licença ambiental de alguns projetos de infraestrutura no Brasil passam pela decisão de diferentes atores, que vão além de órgãos ambientais. "O rol inclui prefeituras e até o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ]. O processo normativo é falho e não tem transparência", considera.
Diferentes esferas
A concessão de licenças ambientais possui três fases: licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO). A lei geral é regida no âmbito federal, enquanto o estadual abarca tudo que é residual e o municipal abrange peculiaridades da região.
"As três esferas, muitas vezes, não se conversam", comenta Mendo. Para o sócio do Mattos Filho, é preciso haver um esforço para que na nova lei haja linhas-mestras para desburocratizar o licenciamento. "O que falta de modo geral é a integração das três esferas."
Tamanha é a burocracia que envolve a concessão de licenças ambientais de projetos de infraestrutura que empresas "comemoram" a conquista publicamente. "O governo precisa resolver essa questão urgentemente", opina Simone.
A especialista comenta que, hoje, a lei discorre basicamente sobre a LP. "A concessão de licença ambiental tem ainda duas fases e 90% das consultas que fazemos para empresas não estão contempladas na legislação", conta. "A Justiça está muito longe da prática."
Simone revela que uma das propostas previstas na revisão da lei é a chamada licença corretiva. "Essa mudança traria a possibilidade de regularizar um empreendimento que funciona sem licenciamento. Isso evita uma relação marginalizada entre o poder público e a empresa", destaca. "Precisamos ser pragmáticos e admitir que isso existe no Brasil, mas que é necessário consertar", complementa.
Na visão dela, a revisão da lei visa acomodar tanto os interesses das empresas quanto do Estado. "A legislação pode ser o quão rígida for, mas o empresário só quer previsibilidade. Basta estar precificado", assinala.
No entanto, Simone admite que a revisão da lei deve acirrar os ânimos no Congresso. "Muitas vezes, a discussão acaba sem solução porque, mais do que temas controversos, a questão acaba sendo meramente ideológica", estima.